quinta-feira, 16 de maio de 2013

Pedagogia liberal




            O termo liberal está relacionado à doutrina liberal que apareceu para justificar o sistema capitalista, baseada na propriedade privada dos meios de produção, na promoção dos interesses individuais e na sociedade de classes. A pedagogia liberal aparece, assim, como uma manifestação desse tipo de sociedade; no Brasil, essa tem sido a marca da educação, que ora se expressa como pedagogia conservadora, ora como pedagogia renovada, já que a nossa sociedade é capitalista, com suas peculiaridades próprias, e os sistemas de ensino, no decorrer de nossa história, têm refletido a mesma lógica. Como afirma Libâneo, “A Pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais; por isso os indivíduos os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes através do desenvolvimento da cultura individual” (1985). Enquanto a versão conservadora valoriza o ensino humanístico, de cultura geral, a versão liberal renovada ou escolanovista acentua o desenvolvimento das aptidões individuais, valorizando mais os conteúdos científicos e técnicos. Vejamos as várias ramificações dessa tendência, apresentado-as de acordo com o papel da escola, os conteúdos de ensino, os métodos, a relação professor-aluno, os pressupostos de aprendizagem e a manifestação na prática escolar brasileira.

a) Tendência liberal tradicional:

A escola tem como papel adaptar o aluno à sociedade, a prepará-los moral e intelectualmente para assumirem sua posição na sociedade. O compromisso da escola é basicamente com a cultura, sendo que os problemas sociais pertencem à sociedade. A escola, nesse caso, apenas reproduz a sociedade tal como é, sem questioná-la ou modifica-la em suas estruturas, mas apenas redimindo-a pela formação individual. Quanto aos conteúdos de ensino, visa a ensinar os conhecimentos e valores tradicionais acumulados pelas gerações passadas. Seu método é fundamentalmente expositivo e a relação professor-aluno é centrada no professor e autoritária: o professor transmite o conhecimento e o aluno apenas o assimila passivamente. A capacidade de assimilação da criança é igual a do adulto, somente menos desenvolvida; a retenção da matéria se dá pela repetição e a avaliação é oral ou escrita (provas, exames). O reforço é mais negativo do que positivo. Essa tendência é viva e atuante em nossas escolas tradicionais, religiosas ou leigas e que adotam uma orientação clássico-humanista (“educação jesuítica” tradicional) ou humano-científica, esta última mais presente em nossa história educacional.

b) Tendência renovada progressivista (Escola Nova...)

O papel da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social, procurando
retratar o quanto possível a vida e promover a integração pela experiência e vivência dos educandos. Os conteúdos são dados pelas experiências vivenciadas, por desafios e situações problemáticas. Valoriza o “aprender a aprender”, ou seja, o processo de aquisição do saber é mais importante que o próprio saber. O método é ativo (“aprender fazendo”)- e experimental, de solução de problemas, de projetos; valoriza o trabalho em grupos, a pesquisa e o estudo do meio natural e social. A relação professor-aluno é democrática, sendo que o professor é mais um facilitador, auxiliando no desenvolvimento do aluno, que, por sua vez, participa e respeita as regras do grupo. Tem como pressupostos da aprendizagem que o aprender é uma atividade de descoberta; respeita as disposições internas e os interesses dos alunos. O ambiente deve ser estimulador, provocando a auto-aprendizagem; a motivação é interna e também externa. A avaliação é expressa pelo reconhecimento, pelo professor, dos esforços êxitos dos alunos. Esta tendência tem uma manifestação reduzida em nossa prática escolar devido a forte presença da pedagogia tradicional. Algumas escolas particulares adotam o método de Montessori, Decroly, Dewey ou o ensino baseado na psicologia genética de Piaget, principalmente na educação pré-escolar. Há também as escolas “experimentais” e “comunitárias” e a “escola secundária moderna”, na versão de Lauro de Oliveira Lima.

c)Tendência renovada não-diretiva

O objetivo é formar atitudes, criando um clima favorável ao autodesenvolvimento e realização pessoal. Possui uma preocupação maior com problemas psicológicos que com questões pedagógicas ou sociais. Preocupa-se com o desenvolvimento das relações e das comunicações. Promove a facilitação de meios para que os próprios alunos busquem os conhecimentos e pesquisem a partir de seus interesses. Esta tendência tem um método terapêutico, de sensibilização e processos para manter o relacionamento interpessoal. A relação professor-aluno é baseada nas relações humanas e o professor, como facilitador, deve “ausentar-se”, já que a educação é centrada no aluno. Aprender aqui é modificar as próprias percepções, visando a valorização do “eu”, a motivação interna. Pratica a auto-avaliação. As idéias de Carl Rogers influenciaram muitos educadores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento; a escola de Summerhil, do educador ª Neil, também teve influência entre nós.

d) Tendência tecnicista

A escola tem como papel modelar o comportamento humano e integrar os alunos no sistema social global, produzindo indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho. Os conteúdos de ensino se traduzem em informações, leis científicas e princípios estabelecidos e ordenados numa seqüência lógica e psicológica por especialistas; visa um saber fazer técnico-científico. O método é também científico (Spencer) e tecnicista, com uma abordagem sistêmica abrangente; emprega a tecnologia educacional, com instrução programada, planejamento, audiovisuais, “data-show”, livros didáticos, etc. A relação professor-aluno é técnica-diretiva, com relações estruturadas, objetivas e papéis definidos; o professor, gerente e administrador, é um elo de ligação entre a “verdade científica” e o aluno; ambos são espectadores frente à verdade objetiva, no entendimento do positivismo. Aprender, no tecnicismo, é modificar o desempenho em face de objetivos preestabelecidos; o ensino é um processo de condicionamento através do reforço das respostas desejáveis e a motivação é externa, com estímulos, reforço, conforme os teóricos Skinner, Gagné, Bloom, Mager, entre outros. Os marcos da implantação e o modelo tecnicista são: a Lei 5.692/71, que fixou Diretrizes e Bases para o ensino de 1o e 2o Graus, mas sua influência remonta ao Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar – PABAEE (meados de 1950). Os professores da escola pública, apesar da legislação, não assimilaram a pedagogia tecnicista, pelo menos em termos de ideário, ainda que tenham aplicado a sua metodologia. O nosso exercício profissional continua mais para uma postura eclética, baseada nas pedagogias tradicional e renovada.

4.2.       Pedagogia progressista

O termo “progressista”, empresado de Snyders, é utilizado para denominar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam as finalidades sociopolíticas da educação. Como vai na contra-mão dos valores e ideologia dominantes na sociedade capitalista, esta pedagogia tem encontrado dificuldades para institucionalizar-se; todavia, tem servido de instrumento de luta dos professores, principalmente das redes públicas de ensino, ao lado de outras práticas sociais. Vejamos suas versões:

a) Tendência libertadora

Através de uma atuação “não-formal”, professores e alunos, midiatizados pela realidade que aprendem e da qual extraem o conteúdo da aprendizagem, atingem um nível de consciência crítica a fim de buscarem a transformação social; rejeita a “educação bancária” tradicional, com toda a seu verniz de erudição, desligada das práticas sociais, e também a educação renovada que, para os defensores desta tendência, oferecem apenas uma libertação psicológica e individual, sendo ambas domesticadoras. Os conteúdos de ensino baseiam-se nos “temas geradores”, extraídos da problematização das práticas e da vida dos educandos e da realidade sócio-política. Seu método é dialogal, valorizando os grupos de discussão. A relação professor-aluno é baseada na não-diretividade, sendo que, tanto educadores como educando, são sujeitos do ato de conhecimento e da ação transformadora; o professor é um animador que caminha junto com seus alunos, num trabalho de “aproximação de consciência”. Aprender é um ato que se dá na análise da realidade concreta; os passos da aprendizagem são: codificação-decodificação, problematização da situação, aproximação crítica da realidade do educando, chegando ao conhecimento pelo processo de compreensão, reflexão e análise crítica das situações-problema. O “pai” desta tendência é o educador brasileiro Paulo Freire, com trabalhos e projeção internacional nas últimas décadas, tem influenciado sindicatos e movimentos populares. Alguns grupos atuam não apenas em nível da prática popular, mas também por meio de publicações independentes das idéias originais da pedagogia libertadora. Apesar de ter sido formulada para a educação de adultos ou a educação popular, muitos professores vêm tentando coloca-la em prática em todos os graus do ensino formal.
b)Tendência libertária

            A educação escolar tem como objetivo a transformação da personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário, procurando criar mecanismos institucionais de mudança que preparem os alunos para atuarem em instituições “externas”. Resiste à burocracia que dificulta a autonomia da escola. Nesta tendência não há conteúdos de ensino propriamente ditos ou predeterminados, mas dependentes dos interesses dos alunos e das experiências vividas pelo grupo; procura estimular e criar mecanismos de participação crítica, levando à descoberta de respostas originais às necessidades e exigências da vida social. Seu método é baseado na autogestão, na vivência grupal e nas experiências vividas; valoriza os contatos, as discussões, as assembléias, cooperativas e outras formas de participação pela expressão da palavra, organização e execução de trabalhos comunitários. A relação professor-aluno também é não-diretiva, como na libertadora, sendo o professor um orientador, um conselheiro e um catalisador, que se mistura ao grupo para uni-lo e anima-lo. O saber deve ter um uso prático, dando-se a aprendizagem de maneira informal, via grupo, que serve de motivação para o crescimento pessoal e grupal. A pedagogia libertária abrange quase todas as tendências antiautoritárias em educação: a anarquista, a psicanalítica, a dos sociólogos e dos professores progressistas em geral. Entre outros, podemos citar os seguintes autores libertários: Lobrot, Freinet, Vasques, Cury, Miguel Gonzalez Arroyo e Ferrer y Guardiã; entre nós, temos o professor Maurício Tragtemberg, apesar de ter um enfoque menos pedagógico e mais crítico das instituições, em favor de um projeto autogestionário.

c) Tendência Crítico-Social dos Conteúdos

            O papel da escola é, fundamentalmente, apresentar conteúdos vivos, indissociáveis das realidades sociais, servindo de instrumento institucional de apropriação do saber, a serviço dos interesses populares, sendo a educação “uma atividade mediadora no seio da prática social global” (D. Saviani). A educação deve preparar o aluno par o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe o instrumental (conteúdos, métodos e socialização) para uma participação ativa e crítica na democratização da sociedade. Os conteúdos de ensino são o conjunto de conhecimentos selecionados entre os bens culturais da humanidade (saber universal autônomo), reavaliados face às realidades sociais, com funções formativas e instrumentais. Esta tendência visa garantir o acesso dos alunos aos conteúdos socialmente construídos, ligando-os à experiência concreta dos mesmos, proporcionando, ao mesmo tempo, elementos de análise crítica que ajudem o educando a ultrapassar a experiência sensível ou empírica, a ideologia dominante e os estereótipos do senso comum. Baseia-se em métodos participativos, em relação direta com a experiência do aluno, que deve ser confrontada com o saber acumulado pela humanidade; vai-se de uma ação à compreensão desta ação, até a síntese, unindo teoria e prática. A relação professor-aluno se dá numa interação diretiva, onde o professor é o mediador intervencionista; o aluno participa do processo, confrontando criticamente a sua experiência com os conteúdos apresentados pelo professor, mas não de forma autoritária como se dá na “educação bancária” tradicional. Os pressupostos de aprendizagem se baseiam na prontidão, em que todo conhecimento novo deve apoiar-se numa estrutura cognitiva já existente (aprendizagem significativa). A avaliação é diagnóstica (Luckesi), ou seja, visa apenas detectar o estágio onde se encontra o conhecimento apropriado pelo aluno para, daí, avançar na direção de um conhecimento cada vez mais abrangente e sistematizado.
Inúmeros professores da rede escolar, notadamente a pública, tem avançado nessa direção e, mesmo sem ter consciência, têm colaborado na democratização do ensino para as camadas populares. Como representantes da tendência crítico-social dos conteúdos, no Brasil temos o professor e filósofo, Demerval Saviani, que vem desenvolvendo investigações relevantes no sentido de colocar a educação a serviço da transformação das relações de produção e da democratização da sociedade brasileira, atendendo aos interesses das camadas populares e dos professores que lutam pela democratização e da escola pública e pela qualidade do ensino em nosso país. Citamos ainda a experiência pioneira do educador russo Makarenko e, entre os autores atuais, lembramos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, especialmente, G. Snyders.

5.    CONCLUSAO

Conforme já dissemos, a classificação que acabamos de apresentar, feita por Libâneo, tem
apenas uma função didática. Dificilmente iremos encontrar, na prática, uma escola que siga uma das tendências pedagógicas com total pureza, havendo elementos de uma e de outra que se misturam, mesmo porque essa tem sido a tradição de nossos professores, que praticam um certo “sincretismo pedagógico”. E não só em educação fazemos isso, o que mostra uma das marcas da própria cultura brasileira. Vemos, por exemplo, que na esfera religiosa criamos a umbanda, produto genuinamente nacional e também um sincretismo religioso perfeito.
            Todavia, se não há uma prática pura de nenhuma das tendências, poderíamos afirmar, não de forma absoluta que pelo menos as duas grandes tendências pedagógicas, a liberal e a progressista, possuem alguns princípios antagônicos os quais não podem conviver sem conflitos. Certamente um diretor de uma escola sendo liberal tradicional não iria ser aceito por um corpo com maioria progressista. Por exemplo, como conciliar a idéia de que transmitimos conhecimentos acabados e verdades absolutas com a idéia de que construímos o conhecimento na relação com os outros e com o meio sócio-cultural e natural? Como poderemos conciliar um professor autoritário com outro que valoriza a iniciativa dos alunos e do grupo? E como conceber uma prática educativa que visa a transformação da realidade com aquela que procura manter o status quo? O problema é que muitos professores, principalmente aqueles que fizeram cursos “fracos” , no magistério ou na pedagogia, não têm a consciência dos fundamentos teóricos de toda prática pedagógica e acham que podem educar de forma neutra, “não se envolvendo em questões ideológicas ou políticas”. Sabemos que isso é impossível, pois toda e qualquer prática possui uma base teórica, explícita ou não; quem se ilude com a tal neutralidade é facilmente usado como massa de manobra pelo sistema ou por grupos que dominam as máquinas e as verbas das Secretarias da Educação dos municípios ou do Estado.
            Sendo a educação uma necessidade humana essencial e acreditando que podemos e precisamos ensinar e aprender sempre, tendo como horizonte último a humanização crescente do ser humano, que não nasce homem ou mulher, mas se faz no processo histórico, acreditamos que o maior conhecimento das teorias educativas só tem a colaborar com uma prática pedagógica cada vez mais consciente e realmente promotora da vida, da liberdade, dos valores humanos, da justiça e da paz. A educação que não promove esses valores não merece o nome de educação, ainda que muitos defendam práticas opostas em nome de “nobres ideais”. Como diz o velho ditado, o inferno está cheio de gente que tinha boas intenções.

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Referências Bibliográficas
ARANHA, Maria Lúcia Arruda. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. (Col. Magistério 2o Grau).
SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.
________. Escola e democracia. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1985 (Col. Polêmicas do Nosso Temo).

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