quinta-feira, 16 de maio de 2013

Como ensinar Filosofia ?


Nesse sentido, é objetivo que compete aos mestres filosóficos e do ensino de filosofia o de ajudar os estudantes a pensarem com coerência e clareza sua própria experiência como expressão do conjunto da experiência humana (ideias, lutas, etc.), questionando-a em seus fundamentos e, dessa forma, radicalizando a busca das respostas.
Colocar a realidade humana prenhe de contradições no seu presente e perspectiva para o futuro, como o centro da reflexão filosófica e, dessa maneira, desteologizando o conhecimento que os mesmos têm dos problemas. Acompanhar de forma crítico-reflexiva os acontecimentos da realidade presente e passada em sua dinamicidade e, assim, desmistificando-a de sua aparência eterna e absoluta. Enfim, problematizar as concepções de mundo dominante para viabilizar a formação de uma consciência política de classe demonstrando que o pensamento do senso-comum é apenas um (re) conhecimento da realidade (com prazo de validade) e, dessa maneira, desideologizando a visão que os mesmos têm da realidade e dos problemas.
Sendo assim, cabe aos mestres filosóficos desenvolverem uma capacidade reflexiva-ativa nos estudantes para que os mesmos atentem para certos aspectos das experiências humanas que não lhes são acessíveis ou que lhes passam desapercebidos, em função exatamente do posicionamento não questionador e conformista que, muitas vezes, eles estabelecem com o meio social em que convivem e onde desenvolvem suas atividades e pensamento.
Mostrar a relação íntima entre o pensar e aquele que reflete e entre o não-saber e o processo de produção do saber para saber evitar aquilo que Martins, José de S. (1982:X), denominou de “modo capitalista de pensar [que] é a mediação necessária na produção e reprodução em crise da alienação que subjuga quem não é capitalista, invertendo o sentido do mundo e dando uma direção conservadora e reacionária à ação que deveria construir a sociedade transformada, desvinculando e contrapondo entre si o saber e a prática”.
Assim, o ensino de filosofia é o ensino do filosofar no sentido de convidar os estudantes a pensarem por eles mesmos os problemas que afetam o humano, sem esquecer de levar em consideração as análises feitas pelos cientistas, artistas, filósofos e revolucionários que procuram nos ajudar esclarecendo a problemática em toda a sua complexidade. Tratamento que dão a esses problemas toda sua dimensão teórica e sugerem caminhos práticos para que, como seres humanos, assumamos nossas responsabilidades pela solução dos mesmos.
Tudo isso, implica naturalmente, um posicionamento filosófico-político que se resume numa busca permanente dos princípios que estruturam o real e das normas que orientam o nosso viver e o nosso pensamento. A busca incessante de uma reflexão crítico-ativa que pressupõe a volta sobre si mesma e, portanto, implica num reposicionamento existencial constante que procura interagir teoria filosófica e prática social num movimento em que ambas são iluminadas cada qual pela outra.
9. Com quais conteúdos?
É, portanto, com base na perspectiva acima, partindo dos problemas gerados pela realidade do capital globalizado, realizando determinados objetivos e buscando desenvolver uma consciência de classe, que devemos encetar a discussão sobre os conteúdos que irão fazer parte de um curso de filosofia.
Nesses termos, a discussão deve percorrer um caminho que, ao mesmo tempo, responda a determinadas questões que sempre aparecem quando se trata desse assunto. Que tipo de problemas deveria abordar? Que soluções deveriam propor? Teriam os professores de filosofia a “missão” de ensinar a filosofia ou o dever de ensinar os alunos a filosofar? Devemos fazer da história da filosofia centro ou referencial da discussão filosófica? Devemos basear o ensino sobre algumas obras filosóficas ou sobre temas filosóficos?  Teria o professor de filosofia alguma função política a exercer ou simplesmente deveria “ensinar” filosofia?
Nas respostas às essas questões não se pode perder de vista que os conteúdos devem garantir ou cumprir algumas tarefas essenciais das quais não se pode abrir mão, sob pena de não se realizar um ensino filosófico na acepção ampla do termo:
* primeiro, uma contribuição a dar na medida em que consiga fazer as novas gerações “filosofarem” sobre os problemas humanos por meio da apropriação, ou melhor, pela (re) construção de um saber filosófico (conteúdos conceituais) que deve ser o resultado das aulas de filosofia.
* segundo, quando o mestre filosófico consegue reconhecer a necessidade de (re) construção teórica (conteúdos procedimentais) e não apenas reprodução ideológica a partir das contradições reais do processo histórico, isto é, quando percebe que a filosofia ou o filosofar não sendo nunca especulação no vazio é trabalho do pensamento sobre a experiência real, negação do imediato, do que é dado, do não pensado e criação do saber no interior do não-saber, do diferente no interior do semelhante e do novo no seio do antigo.
* terceiro, quando consegue mostrar que os chamados filósofos foram aqueles que souberam responder às inquietações (conteúdos existenciais) de suas próprias vidas, relacionando-os com os problemas de uma época determinada. Que foram também, aqueles que souberam integrar a solução proposta no contexto do saber humano (conteúdos conceituais) disponível. Enfim, foram aqueles que conseguiram elaborar respostas às necessidades que o momento histórico exigia e, portanto, contribuíram com a evolução do pensamento humano e, consequentemente, para o entendimento da própria vida social (conteúdos atitudinais).
* quarto, quando esclarece que as propostas (conteúdos curriculares) de soluções empreendidas ao longo da história do pensamento humano estão ligadas a determinados contextos culturais no qual viveram e vivem os filósofos. Portanto, espelha posições assumidas no campo da cultura filosófica (conteúdos conceituais) e disputas no campo da política cultural (conteúdos culturais) e, dessa maneira, inscreve-se no contexto da temporalidade e da espacialidade que abriga tais questionamentos.
  * por último, quando demonstra a necessidade desse saber filosófico (conteúdos procedimentais) estar comprometido com a transformação do real, que significa, ao mesmo tempo, a necessária humanização do humano.
10. Onde se precisa chegar?
Se referindo as transformações substanciais que possibilita ir para além da lógica do capital, Mésáros, Istéván. (2006:25 e ss.), afirma que, “limitar uma mudança educacional radical (sic) às margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa (grifos nosso). Do mesmo modo, contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma contradição em termos. É por isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”.
Sendo assim e levando em consideração a linha adotada, o ensino de filosofia proposto aqui tem por objetivo, portanto, cimentar um compromisso com a formação de um pensamento radical sobre as questões fundamentais de uma época em toda sua amplitude e suas (re) significações para um contexto de luta. Objetiva ainda, a socialização crítica dos diversos tipos de saberes, o esclarecimento das polêmicas e disputas que estão em jogo, a definição de conceitos fundamentais, a negação do estabelecido e a afirmação de um novo projeto para o conjunto dos trabalhadores. E, por fim, objetiva a construção permanente de um sujeito social anti-sistêmico, que por meio do exercício de uma razão autônoma saberá se engajar politicamente nos processos que buscam romper com a lógica do capital e efetivar verdadeiramente o projeto de emancipação do humano. Nesse sentido, assim se expressa Harnecker, Marta (2000:31): “Para a esquerda, a política deve ser a arte da construção de uma força social anti-sistêmica. Mas isto só se pode alcançar com a desarticulação das barreiras que a dominação inimiga levanta para evitar a sua construção, daí a importância de ter uma visão ampla dessas  barreiras e não se limitar à observação e confrontação apenas com parte delas”.
Considerações Finais

            Em suma, o êxito do ensino de filosofia proposto acima vai depender do compromisso político dos mestres filosóficos em orientar os conteúdos de suas aulas partindo das práticas sociais dos estudantes e da positividade dos saberes que lhes são próprios, resignificando-os às necessidades de um pensamento classista reflexivo-ativo e de uma intervenção conseqüente na transformação do real. Por fim, convencê-los da necessidade da reflexão e da crítica como posturas fundamentais para entender os problemas humanos e de uma philopráxis para superá-los com consistência e dar um sentido autêntico às suas vidas.
            Foi dito acima, que se elencaria onze teses para a discussão do ensino de filosofia. No entanto, só foram efetivadas dez, razão pela qual, coloca para o professor de filosofia, o desafio ou o compromisso de buscar em sua experiência profissional, aquele que ficou faltando. Portanto, mãos à obra para realizar o empreendimento de uma filosofia, que tenha no estilo da reflexão, no esclarecimento das pessoas e na intervenção sobre a realidade, os motivos maiores para continuar existindo e sendo ensinada.
Bibliografia
01. BORON, Atílio. Filosofia política marxista. São Paulo:Cortez/Buenos Aires:CLACSO.2003.
02. CHARLOT, Berbard A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação.2ª ed. Rio de Janeiro:Zahar.1983.
03. CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. 12° ed. São Paulo:Brasiliense.1994.
04. CORBESIER, Roland. Filosofia, política e liberdade. 2° ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra.1978.
05. HARNECKER, Marta. Os desafios da esquerda latino-americana.São Paulo:Expressão Popular.2000.
06. LÊNIN, Vladimir I.Tarefas da juventude na construção do socialismo.In: As tarefas revolucionárias da juventude.4ª ed. São Paulo/Expressão Popular. p.07 – 28.2005.
07. MARTINS, José de S. Sobre o modo capitalista de pensar. 3ª ed. São Paulo:Hucitec.1982.
08. MARX, KarL.Teses contra Feuerbach. In.: Os pensadores: seleção de textos: José A. Giannotti.: traduções: José C. Bruni (et.al.). 2° ed. São Paulo:Abril Cultural. p. 49-53.1978.
09. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich (s,d.).Manifesto do partido comunista. In: Marx,K e Engels, F. Textos. v.3. Ed, Alfa-Omega Ltda. p. 13 – 47.
10. MÈSÁROS, István.A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares. São Paulo: Boitempo.2006.
11. TROTSKY, Leon Programa de transição.São Paulo:Informação Editora.1989.
12. VASQUEZ, Adolfo S. Filosofia da práxis. 2ª ed.Rio de Janeiro:Paz e terra.1977.
13. ZAMÓSCHKINE, Iú et.al.A filosofia e o processo revolucionário.Moscou:Ed. Progresso.1982.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Conceito de “Esclarecimento” Segundo Kant

O Conceito de “Esclarecimento” Segundo Kant  Immanuel Kant escreve um artigo tentando responder a pergunta “O que é  esclarecimento ?”...