Nesse
sentido, é objetivo que compete aos mestres filosóficos e do ensino de
filosofia o de ajudar os estudantes a pensarem com coerência e clareza sua
própria experiência como expressão do conjunto da experiência humana (ideias,
lutas, etc.), questionando-a em seus fundamentos e, dessa forma, radicalizando
a busca das respostas.
Colocar
a realidade humana prenhe de contradições no seu presente e perspectiva para o
futuro, como o centro da reflexão filosófica e, dessa maneira, desteologizando
o conhecimento que os mesmos têm dos problemas. Acompanhar de forma
crítico-reflexiva os acontecimentos da realidade presente e passada em sua
dinamicidade e, assim, desmistificando-a de sua aparência eterna e absoluta.
Enfim, problematizar as concepções de mundo dominante para viabilizar a
formação de uma consciência política de classe demonstrando que o pensamento do
senso-comum é apenas um (re) conhecimento da realidade (com prazo de validade)
e, dessa maneira, desideologizando a visão que os mesmos têm da realidade e dos
problemas.
Sendo
assim, cabe aos mestres filosóficos desenvolverem uma capacidade reflexiva-ativa
nos estudantes para que os mesmos atentem para certos aspectos das experiências
humanas que não lhes são acessíveis ou que lhes passam desapercebidos, em
função exatamente do posicionamento não questionador e conformista que, muitas
vezes, eles estabelecem com o meio social em que convivem e onde desenvolvem
suas atividades e pensamento.
Mostrar
a relação íntima entre o pensar e aquele que reflete e entre o não-saber e o
processo de produção do saber para saber evitar aquilo que Martins, José de S.
(1982:X), denominou de “modo capitalista de pensar [que] é a mediação
necessária na produção e reprodução em crise da alienação que subjuga quem não
é capitalista, invertendo o sentido do mundo e dando uma direção conservadora e
reacionária à ação que deveria construir a sociedade transformada,
desvinculando e contrapondo entre si o saber e a prática”.
Assim,
o ensino de filosofia é o ensino do filosofar no sentido de convidar os
estudantes a pensarem por eles mesmos os problemas que afetam o humano, sem esquecer
de levar em consideração as análises feitas pelos cientistas, artistas,
filósofos e revolucionários que procuram nos ajudar esclarecendo a problemática
em toda a sua complexidade. Tratamento que dão a esses problemas toda sua
dimensão teórica e sugerem caminhos práticos para que, como seres humanos,
assumamos nossas responsabilidades pela solução dos mesmos.
Tudo
isso, implica naturalmente, um posicionamento filosófico-político que se resume
numa busca permanente dos princípios que estruturam o real e das normas que
orientam o nosso viver e o nosso pensamento. A busca incessante de uma reflexão
crítico-ativa que pressupõe a volta sobre si mesma e, portanto, implica num
reposicionamento existencial constante que procura interagir teoria filosófica e
prática social num movimento em que ambas são iluminadas cada qual pela outra.
9. Com quais conteúdos?
É,
portanto, com base na perspectiva acima, partindo dos problemas gerados pela
realidade do capital globalizado, realizando determinados objetivos e buscando
desenvolver uma consciência de classe, que devemos encetar a discussão sobre os
conteúdos que irão fazer parte de um curso de filosofia.
Nesses
termos, a discussão deve percorrer um caminho que, ao mesmo tempo, responda a
determinadas questões que sempre aparecem quando se trata desse assunto. Que
tipo de problemas deveria abordar? Que soluções deveriam propor? Teriam os
professores de filosofia a “missão” de ensinar a filosofia ou o dever de
ensinar os alunos a filosofar? Devemos fazer da história da filosofia centro ou
referencial da discussão filosófica? Devemos basear o ensino sobre algumas
obras filosóficas ou sobre temas filosóficos? Teria o professor de
filosofia alguma função política a exercer ou simplesmente deveria “ensinar”
filosofia?
Nas
respostas às essas questões não se pode perder de vista que os conteúdos devem
garantir ou cumprir algumas tarefas essenciais das quais não se pode abrir mão,
sob pena de não se realizar um ensino filosófico na acepção ampla do termo:
*
primeiro, uma contribuição a dar na medida em que consiga fazer as novas
gerações “filosofarem” sobre os problemas humanos por meio da apropriação, ou
melhor, pela (re) construção de um saber filosófico (conteúdos conceituais) que
deve ser o resultado das aulas de filosofia.
*
segundo, quando o mestre filosófico consegue reconhecer a necessidade de (re)
construção teórica (conteúdos procedimentais) e não apenas reprodução
ideológica a partir das contradições reais do processo histórico, isto é,
quando percebe que a filosofia ou o filosofar não sendo nunca especulação no
vazio é trabalho do pensamento sobre a experiência real, negação do imediato,
do que é dado, do não pensado e criação do saber no interior do não-saber, do
diferente no interior do semelhante e do novo no seio do antigo.
*
terceiro, quando consegue mostrar que os chamados filósofos foram aqueles que
souberam responder às inquietações (conteúdos existenciais) de suas próprias
vidas, relacionando-os com os problemas de uma época determinada. Que foram
também, aqueles que souberam integrar a solução proposta no contexto do saber
humano (conteúdos conceituais) disponível. Enfim, foram aqueles que conseguiram
elaborar respostas às necessidades que o momento histórico exigia e, portanto,
contribuíram com a evolução do pensamento humano e, consequentemente, para o
entendimento da própria vida social (conteúdos atitudinais).
*
quarto, quando esclarece que as propostas (conteúdos curriculares) de soluções
empreendidas ao longo da história do pensamento humano estão ligadas a
determinados contextos culturais no qual viveram e vivem os filósofos.
Portanto, espelha posições assumidas no campo da cultura filosófica (conteúdos
conceituais) e disputas no campo da política cultural (conteúdos culturais) e,
dessa maneira, inscreve-se no contexto da temporalidade e da espacialidade que
abriga tais questionamentos.
* por último, quando demonstra a necessidade desse saber filosófico (conteúdos
procedimentais) estar comprometido com a transformação do real, que significa,
ao mesmo tempo, a necessária humanização do humano.
10. Onde se precisa chegar?
Se
referindo as transformações substanciais que possibilita ir para além da lógica
do capital, Mésáros, Istéván. (2006:25 e ss.), afirma que, “limitar uma mudança
educacional radical (sic) às margens corretivas interesseiras do capital
significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma
transformação social qualitativa (grifos nosso). Do mesmo modo, contudo,
procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do
capital é uma contradição em termos. É por isso que é necessário romper com a
lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa
educacional significativamente diferente”.
Sendo
assim e levando em consideração a linha adotada, o ensino de filosofia proposto
aqui tem por objetivo, portanto, cimentar um compromisso com a formação de um
pensamento radical sobre as questões fundamentais de uma época em toda sua
amplitude e suas (re) significações para um contexto de luta. Objetiva ainda, a
socialização crítica dos diversos tipos de saberes, o esclarecimento das
polêmicas e disputas que estão em jogo, a definição de conceitos fundamentais,
a negação do estabelecido e a afirmação de um novo projeto para o conjunto dos
trabalhadores. E, por fim, objetiva a construção permanente de um sujeito
social anti-sistêmico, que por meio do exercício de uma razão autônoma saberá
se engajar politicamente nos processos que buscam romper com a lógica do
capital e efetivar verdadeiramente o projeto de emancipação do humano. Nesse
sentido, assim se expressa Harnecker, Marta (2000:31): “Para a esquerda, a
política deve ser a arte da construção de uma força social anti-sistêmica. Mas
isto só se pode alcançar com a desarticulação das barreiras que a dominação
inimiga levanta para evitar a sua construção, daí a importância de ter uma
visão ampla dessas barreiras e não se limitar à observação e confrontação
apenas com parte delas”.
Considerações Finais
Em suma, o êxito do ensino de filosofia proposto acima vai depender do
compromisso político dos mestres filosóficos em orientar os conteúdos de suas
aulas partindo das práticas sociais dos estudantes e da positividade dos
saberes que lhes são próprios, resignificando-os às necessidades de um
pensamento classista reflexivo-ativo e de uma intervenção conseqüente na
transformação do real. Por fim, convencê-los da necessidade da reflexão e da
crítica como posturas fundamentais para entender os problemas humanos e de uma
philopráxis para superá-los com consistência e dar um sentido autêntico às suas
vidas.
Foi dito acima, que se elencaria onze teses para a discussão do ensino de
filosofia. No entanto, só foram efetivadas dez, razão pela qual, coloca para o
professor de filosofia, o desafio ou o compromisso de buscar em sua experiência
profissional, aquele que ficou faltando. Portanto, mãos à obra para realizar o
empreendimento de uma filosofia, que tenha no estilo da reflexão, no
esclarecimento das pessoas e na intervenção sobre a realidade, os motivos
maiores para continuar existindo e sendo ensinada.
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13. ZAMÓSCHKINE, Iú
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