quinta-feira, 16 de maio de 2013

Heráclito .....somos tão jovens....


Somos tão jovens
Dir. Antonio Carlos da Fontoura, Brasil, 2013

Cena do filme 'Somos tão jovens'
Cena do filme 'Somos tão jovens'
Três notas, quatro compassos. Mi, Dó e Lá formam a base de uma sequência ritmada clássica do rocknacional, que, em poucos segundos, contagia gerações inteiras. “Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou...”. Assim começa o filme “Somos tão jovens”, de Antonio Carlos da Fontoura, que estreia nesta sexta (3) para contar a história de um menino que, desde muito cedo, sabia bem o que queria: ser idolatrado.
A trama mescla elementos reais e de ficção, com passagens adaptadas da biografia “Renato Russo – O filho da revolução”, de Carlos Marcelo, lançada em 2009. No coração político da ditadura, relata a formação da “turma da Colina”, como era conhecido o conjunto de bandas que nasciam em Brasília a fim de contestar o governo e os costumes de uma sociedade extremamente conservadora. Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial, Legião Urbana.
Propondo traçar um perfil psicológico do protagonista, de 1976 a 1982, o longa alterna momentos de euforia e depressão, oscilando entre o romantismo e a agressividade típicos de sua obra. Elege a dedicação à música como fio condutor, sem deixar de lado os conflitos internos de Renato. Os problemas com a bebida alcoólica, a homossexualidade e a dificuldade em se relacionar, seja com amigos, família ou o público, são pautas certas. E importantes na construção da sua identidade.
Diante de tamanha complexidade, a personagem Ana, interpretada pela atriz Laila Zaid, ganha destaque. Ela faz alusão às escassas amizades do cantor, além de ilustrar alguns de seus casos amorosos e temperamento singular. Sendo a pessoa mais próxima de Renato, é peça fundamental da história, já que permite um contraponto narrativo. Através dela se torna possível olhar com certo distanciamento a trajetória do músico, percebendo não só suas qualidades, mas, com igual intensidade, seus defeitos e mais, seus paradoxos. Afetuoso e grosseiro, inseguro e confiante, altruísta e egoísta, humilde e arrogante, o líder da Legião Urbana era tudo isso e mais um pouco.

Um pouco mais de história
Professor de inglês, apesar de muito reservado, Renato Jr. sonhava em fazer parte de uma banda de rock. Influenciado pelo movimento punk, que fervia a Inglaterra underground dos anos 70 com Joy Division e os Sex Pistols, adota a filosofia do “faça você mesmo” e decide aprender a tocar contrabaixo. Com formação inicial dos irmãos Lemos (Flávio e Fê) e Petrus, além de  Renato – agora Russo, em homenagem aos pensadores Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russel – surgia o Aborto Elétrico.
Brasília assiste a um turbilhão de protestos que tinham, em sua essência, um só objetivo: fazer barulho. “Veraneio Vascaína”, “Fátima” e “Música Urbana” dividem apresentações com a Plebe Rude em festivais universitários, sendo boas representantes do enfrentamento ao cenário sociopolítico de então. Roupas rasgadas, amplificadores, bandas de garagem. Uma europeização norte-americanizada bem brasileira da produção musical vanguardista. Esta é a cara de um grito de indignação e luta pela liberdade, o que viria a ser a revolução da geração Coca-Cola.
Claramente influenciado por The Doors, Smiths e Cure, Renato Russo se destaca como o Trovador Solitário e o Aborto Elétrico dá origem ao Capital Inicial, já com Dinho Ouro Preto nos vocais. Em carreira solo, compõe melodias que ganham o coração de milhares de fãs, passando a integrar o repertório da Legião Urbana, fundada no início de 1982. O diferencial? Contar histórias com início, meio e fim. A linha narrativa ditava as regras de letras geralmente compridas, que se tornaram a verdadeira identidade da banda.
Depois de tocarem juntos pela primeira vez em público, em Patos de Minas, Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá oficializam o nome que seria motivo de febre nacional pelos próximos anos. Com a ajuda do jornalista Hermano Vianna, irmão do músico Hebert Vianna, a Legião aparece nos jornais da capital fluminense, ganha visibilidade e é convidada a tocar no recém-inaugurado Circo Voador. Estava batizada a banda de rock de maior prestígio do país.

Atuação caricaturada
Thiago Mendonça, que interpreta Renato Russo, mergulhou de cabeça no universo do cantor. Do jeito de andar à voz impostada, com direito a trejeitos e expressão característicos, daqueles bem irônicos. O ator dá vida ao personagem e, inclusive, canta ele próprio as músicas do filme. Para isso, teve uma preparação exaustiva com direito a aulas de canto e violão ministradas por Carlos Trilha, o quinto legionário e diretor musical do filme.
Mas como tudo o que é demais enjoa, os diálogos acabam soando muito exagerados, lembrando técnicas de linguagem teatral. E essa não é característica isolada do ator principal. Partilhando do mesmo frenesi, Edu Morais, que dá vida ao Hebert Vianna da telona, faz uma encenação caricaturada, tal qual Sérgio Dalcin, como Petrus. Ao menos ao público, garantem boas risadas.
Pode-se apontar, também, as fracas atuações de Daniel Passi (Flávio Lemos) e do estreante Nicolau Villa-Lobos, que vive o pai, Dado, em versão mais nova. Os jovens artistas deixam a desejar quando o assunto é expressividade, mas não comprometem o andamento do filme. A escolha das músicas é feliz.“Tédio com um ‘T’ bem grande pra você”, “Eduardo e Mônica”, “Faroeste Caboclo”, “Eu Sei”, “Ainda é Cedo”, “Será” e “Que país é este” são algumas das canções que compõem a trilha – e, vale frisar, todas com excelente contextualização, marcando diferentes etapas da produção de Renato Russo e da recém-formada Legião Urbana.

A morte do ídolo
Depressivo desde a adolescência, Renato Russo tentou o suicídio três vezes. Em 1984, quando a Legião Urbana teve seu contrato rescindido com a gravadora EMI, em 89, quando soube que era portador do vírus da Aids, e em 92, quando rompeu seu relacionamento mais duradouro, com o norte-americano Rober Scott.
Renato foi encontrado morto em seu apartamento em outubro de 1996, vítima de complicações pulmonares e renais. Aos 36 anos, já havia gravado 16 álbuns com a Legião Urbana e outros dois em carreia solo, somando mais de cinco milhões de cópias vendidas.
Com produção póstuma de mais oito discos, feitos a partir de gravações caseiras deixadas pelo cantor e faixas de shows anteriores ao seu falecimento, ultrapassou-se a marca de 20 milhões de vendas.

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