A importância preponderante dos problemas filosóficos
Frente a qualquer outro elemento da filosofia como um todo
Fábio Valverde
Universidade
Estadual Paulista
Redefor
filosofo@globo.com
Resumo:
A presente pesquisa tem como objetivo central a reflexão e
investigação sobre uma abordagem que leve em conta uma metodologia,
que não incorra em cair num ensino enciclopédico, onde conteúdos
são apresentados de forma temática, numa tentativa de torná-los
mais próximos da realidade vivida pelos jovens, vislumbrando a busca
de caracterizar grandes problemas da Filosofia na medida em que
permite tanto o acesso aos temas filosóficos mais relevantes quanto
à história da filosofia, possibilitando filosofar. O desafio que
anunciamos com esse trabalho é a atividade questionadora a partir de
grandes problemas da filosofia em Geral, como por exemplo, o belo é
melhor que o feio? O homem é realmente livre? O “perguntar a
partir” tem esse significado, entendendo que não se trata de negar
o conhecimento existente, muitas vezes em forma de senso comum, onde
o estudante encara suas preocupações existenciais, culturais etc.;
como elementos (problemas) que tem valor e necessitam de reflexão e
escolhas. Portanto, uma metodologia que leva em consideração
grandes problemáticas da filosofia muitas vezes de maneira muita
tênue e intensa fazendo parte do caminhar do estudante, ele o vê
como sendo um protagonista que ocupa um papel no mundo da filosofia
contemporânea, ele o vivencia e sente a necessidade de resolvê-lo.
Palavras
Chaves: metodologia, problematização, paradigma,
dialogicidade, mídias, espanto, sensibilizar.
1
INTRODUÇÃO
Buscar
uma metodologia que permita o educando apropriar-se de conceitos
filosóficos, assim como uma salutar condição para que o
estereótipo da disciplina, que muitas vezes distanciam jovens
estudantes da proposta lançada, seja na graduação ou no ensino
médio, vem sendo um grande desafio para filósofos e professores de
filosofia; principalmente após seu retorno à grade curricular do
ensino médio. Portanto, investigar, pesquisar e pensar tal proposta
e garantir condições para que o ensino e o próprio filosofar
ultrapassem a visão enciclopédica e meramente de mais uma
disciplina no currículo. Tal concretização pode ser construída
como ponto de partida, a compreensão da importância dos problemas
(ou questão da filosofia). Antes ainda, fazem-se necessários dois
questionamentos, ou melhor, deixar-nos mover pela perplexidade da
realidade como diria o filósofo Gerd Bornheim:
Não falo de um silêncio
estático e torturante, mas de um silêncio inquieto que sobrevive de
indagações escondidas. Parece que o homem de hoje, perdeu a
capacidade de ficar perplexo, de não se conformar com as coisas que
acontecem em sua volta. Parece que perdeu a capacidade de parar e
ficar consigo mesmo, sem pressa de chegar. Por isso que uma aula de
Filosofia não faz efeito em mim no mesmo dia em que ela foi dada,
demora certo tempo, o tempo que essa aula demora em mim. Sinto seus
desdobramentos, suas nuances. Sou formado e ao mesmo tempo inacabado.
Como diria Husserl, meu limite é o infinito, minha finalidade é a
infinidade. Não vou sozinho, tenho companheiros que junto comigo,
desbravam a aventura de ir até o limiar da razão e descobrirem os
limites da razão e o que pode ir além dela. (BORNHEIM, 1989, p.
96).
Esta dúvida leva-nos a pensar,
como referimos acima, em duas questões que permitiram o
desenvolvimento do presente trabalho, a saber, o que significa o
conceito (palavra) problema que usamos corriqueiramente em
nossas conversas, trabalho etc.? Uma segunda mais importante: O que
caracteriza um problema filosófico?
Conforme algumas definições que
temos com auxílio dos dicionários entendem-se problema como uma
dificuldade na obtenção de um determinado objetivo. Em outros
contextos pode ter um significado diferente. Em matemática,
um problema é uma questão proposta em busca de uma
solução. Um problema matemático pode ter solução ou não,
algumas vezes possui diversas soluções. Mas que exemplos, ou
sugestões de situações em aula, podemos usar para a construção
do pensamento crítico a partir de problemas filosóficos?
Lançar questões que já fazem
parte do “mundo” do estudante e que, de fato, em algum momento,
independentemente da série e ou disciplina, mobilize habilidades
para uma reflexão apurada e consistente, pode facilitar e qualificar
o trabalho do professor, por exemplo: Deus existe? O mal que há no
mundo é compatível com a existência de Deus? Provocações que
despertam e aguçam a imaginação dos alunos permitindo assim que
façamos parte do “mundo” deles, de suas reais inquietações e
interesses.
Capítulo 1
Mundo da Imagem: Em busca de uma
metodologia significativa para jovens estudantes de filosofia.
Vivemos em um mundo da imagem,
aliás, disputamos em sala de aula a atenção dentro de uma
configuração um pouco injusta, celulares super modernos, videogames
que estimulam e interagem sem contar esta máquina que ora escrevo e
que permite uma comunicação vasta e veloz intensamente mais
chamativa e visualmente mais impactante que as “velhas” lousas
que usamos. Assim como “concorrer” com tão fortes apelos, muitas
vezes deformadores, constituindo verdadeiras barreiras para que de
fato possamos realizar aproximações e intervenções que possam
criar condições para o pensar metódico e rigoroso que o filosofar
exige. Edgar Morin diz que a educação “deve contribuir para a
auto-formação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana,
ensinar a viver)” (MORIN, 2001, p. 65). À medida que essa educação
dá condições para que os envolvidos aprendam a ser humanos, ele é
educativo e passa a ser a espinha dorsal que permite a dialogicidade,
como método para ouvir cuidadosamente os outros (pois ouvir é
pensar), devemos pesar nossas palavras (pois falar é pensar),
que devem ser conduzidas independentemente de outras investigações
intelectuais, entretanto, muitas dessas buscas podem, no final,
beneficiar-se da reflexão e do diálogo, que são distintamente
filosóficos.
Quando falamos em ouvir, na
escuta do outro e claro na metodologia que devemos nos empenhar para
que ocorram as problematizações e leituras, que devem ser
consideradas premissas básicas para que tal encontro ocorra e tenha
uma representação significativa para os estudantes, a sala de aula
não é o seu único ambiente. Todos os espaços e os momentos podem
ser educativos. Humberto Maturana (1999, p. 29) afirma que: “[...]
o educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto
convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma
espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz
progressivamente mais congruente com o do outro no espaço da
convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira
recíproca”.
Quando afirmo que a questão da
apropriação da Filosofia não pode reduzir-se à mera análise
didático-pedagógica, entendo que não se trata simplesmente de
averiguar que procedimentos são empregados para a transmissão de um
sistema filosófico, situado no espaço e no tempo, a sala de aula é,
podemos dizer, um espaço privilegiado da educação formal, e
precisa cada vez mais possibilitar experiências de aprendizagem.
Trazendo uma ideia de Hugo
Assmann (1998), a escola (sala de aula) só terá razão de existir
se proporcionar tais experiências de aprendizagem que, segundo ele,
são processos vitais para a pessoa. E caberá à escola dar
condições para que o indivíduo desenvolva habilidades de acessar
informações e de saber usá-las, e de construir teias de relações
interativas com o ambiente (pessoas e coisas). Isso garantirá que
ela sobreviva.
Capítulo 2
Velho paradigma: enciclopédia
filosófica ambulante
A concepção problematizadora da
educação, ao colocar o homem-mundo como problema, exige uma posição
permanentemente reflexiva do educando e claro do educador, para tal,
é necessário uma visão que supere o professor-transmissor, que
transgrida a ideia de enciclopédia filosófica ambulante, pois a
sensibilidade e o olhar atento do professor para questões atuais e
sensíveis aos jovens possibilita a criação, de fato, de um
ambiente propício para o exercício do filosofar.
Hannah Arendt (1978, p.
82), em sua obra The life of the Mind, afirma: "é
antes pelo riso do que por hostilidade que a multidão reage
naturalmente às preocupações do filósofo e à inutilidade
aparente de seus empreendimentos". Parece que não é
prerrogativa da atualidade ver a atividade filosófica com certa
ironia e desprezo, não lhe reconhecendo utilidade alguma. Este
desprezo pela Filosofia aliado a um tipo ingênuo de aplicação da
filosofia por parte de muitos se deve à incompreensão amplamente
difundida do sentido do filosofar, incompreensão à qual muitas
vezes nem os professores de filosofia estão atentos.
A Filosofia se acha
necessariamente fora de seu tempo, por pertencer àquelas poucas
coisas cujo destino consiste em nunca poder nem dever encontrar
ressonância imediata na atualidade. Onde tal parece ocorrer, onde
uma filosofia se transforma em moda, é porque ou não há verdadeira
filosofia ou uma verdadeira filosofia foi desvirtuada e abusada
segundo propósitos alheios, para satisfazer às necessidades do
tempo (HEIDEGGER, 1966, p. 45).
Este filósofo aponta duas razões
para essa "inatualidade" da filosofia: "Ou porque a
Filosofia se projeta muito além da atualidade. Ou, então, faz
remontar a atualidade a seu passado-presente originário". É
possível que Heidegger, e talvez aqui tenha uma interpretação um
pouco diferente, quando cita (a expressão fora de seu tempo) deva
ocupar importante reflexão, vejo que há um nítido afastamento do
sentido e significado dos grandes problemas investigado pela
filosofia e ai é que devemos ter sensibilidade e um olhar especial
para que tal afastamento não relegue a disciplina ao ostracismo.
Deve-se levar em consideração que não somos modelos absolutos de
questões universais e que, portanto, alguns problemas investigados e
tratados pela filosofia não sejam de interesse do estudante, seja
por questões ideológicas e ou cultural.
Talvez um caminho mais fértil
seja despertar o interesse pela Filosofia partindo de indagações e
de problemas suscitados pela experiência cotidiana, ou seja,
indicando que as questões filosóficas não são estranhas nem
distantes de nossa vida de todo dia. A maioria das pessoas é tão
absorvida pelo cotidiano, pelas necessidades imediatas, que a
admiração pela vida acaba sendo completamente reprimida. A maioria
vivência o mundo como uma coisa absolutamente normal, e
possivelmente este pode ser o principal paradigma a enfrentar. Um
filósofo nunca é capaz de se habituar completamente com este mundo,
clarificar tal ideia com os estudantes e tira-los de sua zona de
conforto e intima-los para serem reais protagonistas do projeto de
suas vidas.
Capítulo 3
Aula de Filosofia: O que fazer
para tornar uma aula tão atrativa na Era do entretenimento?
Uma metodologia diferente de
estudo da filosofia começa com os problemas, e não com as opiniões
pré-concebidas. O ponto de partida é um problema ou família de
problemas. Compreender com muito rigor o problema. Isto implica
distinguir formulações erradas do problema, e saber explicar porque
razão é um problema genuíno e não uma confusão qualquer. É
preciso compreender a força intuitiva do problema, a filosofia
faz-se pensando e discutindo problemas filosóficos, analisando teses
e argumentos. Convém, pois, saber o que são problemas filosóficos
e o que não são problemas filosóficos.
Promover a reflexão com os
colegas professores sobre o que devemos fazer para “prender” a
atenção dos alunos, isto é, qual a nossa parcela de contribuição,
o que podemos fazer para que as aulas fiquem mais atrativas, que me
leva a perguntar pelo conteúdo: ele é realmente relevante? Se o
aluno não aprender nada a respeito do conteúdo que você trabalha
com ele, o que ele não conseguirá entender ou fazer direito na
escola? Existem atualmente elementos que contribuem para que cada vez
mais alunos com o perfil "desinteressado" estejam
presentes: a cultura da obrigatoriedade de um diploma, a indústria
do entretenimento que consegue ser mais atrativa e eficaz em relação
à atração da atenção das massas, portanto, o sujeito vai para
faculdade com a intenção de se divertir (e nem sempre é possível
conciliar diversão e educação), a geração videotape/internet que
é mais visual e menos ouvinte, entre outros pontos que estão
afetando e prejudicando nossa prática docente.
Refletindo sobre que metodologia
seria mais eficaz para o professor de filosofia, nos deparamos com
novos problemas, na verdade expressos em perguntas a seguir, na qual
pretendemos durante a pesquisa refleti-las e aprofundando mais
algumas ideias a respeito da didática do ensino de filosofia.
O que fazer para tornar uma aula
tão atrativa na Era do entretenimento? O que fazer (se é possível
fazer algo) para que nossas aulas sejam tão atrativas e desejadas,
quanto a um show ou balada que os alunos frequentam? Mas será que
isso é possível, uma vez que educação e entretenimento têm
naturezas distintas? Será que devo me conformar em dar aula e
ensinar apenas 20% da turma, que são os que demonstram interesse e
respeito pela minha profissão? Os outros 80% não tem como eu
promover alguma mudança?
Acreditamos que o paradigma do
transmitir informação e do outro lado o ouvir apenas, passivamente
e com pouca chace de participar, independentemente da disciplina leva
em curto prazo o empobrecimento de qualquer prática educativa.
Adorno nos oferece uma concepção de educação que muito contribui
para que nossas aulas sejam uma experiência de fato reflexiva:
“Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque
não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas
também não a mera transmissão de conhecimentos [...], mas a
produção de uma consciência verdadeira” (ADORNO, 2006, p. 141).
Caberia, então, ao
professor provocá-los para que passe a ser possível, cada vez mais,
que os alunos desenvolvam a capacidade de formular questões acerca
do seu ambiente, tirando-os do senso comum:
A crítica pode ser avaliada
pela capacidade dos alunos em formular questões e objeções de
maneira organizada, estruturada (rigorosa). A prática, sempre
interessante, de intrigar os alunos – provocando-os para a dúvida,
a produção de inferências e a articulação de experiência e
teoria – é útil, principalmente naquelas situações em que os
alunos não têm condições de aplicar imediatamente uma regra pelo
exercício de uma retórica já desenvolvida. (FAVARETTO, 1993, p.
81-82).
Gallo (2007), por sua vez, propõe
um percurso similar, cujos momentos pelos quais as aulas passarão
são: sensibilização, problematização, investigação e
conceituação. O professor de filosofia, com todos os seus estigmas
e visões externas muitas vezes carregadas de pré-conceitos se
depara com a dificuldade de tornar o tema não só interessante como,
também, curioso aos seus alunos. Não são raros, muitos jovens
estudantes, mesmo sem conhecer ou ter lido algo sobre filosofia
associar o professor a um louco, estranho, ateu. Na verdade, uma
árdua tarefa dupla, descostruir a imagem muitas vezes depreciativa
do professor de filosofia, como também sensibiliza-los para grandes
problemas da humanidade que à luz da filosofia, é possível
aprofundar questões que foram consideradas imutáveis e/ou sem
resolução. Nesta última tarefa, para Gallo (2007, p. 27-29),
sensibilizar o aluno para o tema proposto é mostrar-lhe a relação
da temática com as vivências dele.
Capítulo 4
A Problematização: Filosofar
para mudar
Através do diálogo com seus
alunos o professor transforma a temática trabalhada em um problema
filosófico a ser resolvido, partindo das interrogações do
cotidiano do aluno, de suas vivências. Dessa forma, o aluno passa a
reconhecer e a valorizar discussões que fazem sentido ao seu mundo,
partir de seus conflitos e desafios é valorizar seu espaço. O
diálogo propiciado pelo professor constitui-se uma ferramenta
importante para o desenvolvimento da autonomia intelectual dos jovens
estudantes, condição estruturante para que ultrapassem a
consciência ingênua, de forma ética e transformadora. Nesse
sentido, Paulo Freire (1996, p. 32) nos diz: “a promoção da
ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita a
distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da
estética. Decência e boniteza de mãos dadas”.
Em uma aula de filosofia abordei
o tema mudança, inserindo aos alunos o conhecimento dos
pré-socráticos, em especial Heráclito de Éfeso, e em um dado
momento da aula, sinalizei a eles que estamos sempre em mudança, e
que iclusive gostaria que ao término da aula todos fossemos embora,
todos, assim eu almejava, desejava que houvesse algumas mudanças. Ao
final, acredito que este deve ser o intuito das aulas de filosofia,
transformar e não neutralizar ou anestesiar. Aspis (2004, p. 309)
diz que, “o justo seria educar, hoje, para que o aluno seja outro e
não um mesmo, um mesmo que qualquer modelo”.
Não acreditamos que a disciplina
de filosofia tenha necessariamente o dever de “salvar o mundo”,
sem ela tampouco a sociedade muda,
a filosofia contribui para a compreensão
humana, e não existe nenhum instrumento mais transformador do que a
compreensão para quem a alcança. Em Platão (Fédon, 1995)
tem-se que a Filosofia busca persuadir as almas a se desprenderem dos
sentidos, mostrando a ela o quanto é ilusório o conhecimento
através dos olhos do corpo e recomenda que se volte para si e confie
nelas mesmas, talvez, a mudança que a filosofia busca tenha um
desafio maior ainda, a saber, o desconectar-se deste mundo que não
quer a mudança, e sim a perpetuação do poder nas mãos de poucos o
controle das massas.
Muitas vezes nos deparamos com
questionamentos dos alunos, onde se percebe o quanto estão inseridos
numa cultura imediatista, com perguntas que fazem referência à
praticidade, utilidade e resultados imediatos que aquele que se
dedica a filosofia teria. Este desprezo pela Filosofia aliado a um
tipo ingênuo de aplicação da filosofia por parte de muitos se deve
à incompreensão amplamente difundida do sentido do filosofar,
incompreensão à qual muitas vezes nem os professores de filosofia
estão atentos, talvez, seja uma das razões de presenciarmos muitas
vezes por parte da própria escola um olhar estranho e de resistência
ao retorno da filosofia como componente curricular obrigatório.
A Filosofia se acha
necessariamente fora de seu tempo, por pertencer àquelas poucas
coisas cujo destino consiste em nunca poder nem dever encontrar
ressonância imediata na atualidade. Onde tal parece ocorrer, onde
uma filosofia se transforma em moda, é porque ou não há verdadeira
filosofia ou uma verdadeira filosofia foi desvirtuada e abusada
segundo propósitos alheios, para satisfazer às necessidades do
tempo. (HEIDEGGER, 1966, p. 45).
A Filosofia, afirma Heidegger, não é "um saber que, à
maneira de conhecimentos técnicos e mecânicos, se possa aprender
diretamente ou, como uma doutrina econômica e formação
profissional, se possa aplicar imediatamente e avaliada de acordo com
sua utilidade" (l966, p. 45).
A impressão que se tem, muitas vezes, por parte dos estudantes e até
mesmo de educadores, é que a introdução da disciplina de
filosofia, é um luxo, perfumaria que poderia ser aproveitada, por
exemplo, com a ampliação de outras disciplinas com teor prático de
maior relevância.
Acreditamos que a filosofia não dispõe de
metodologias empíricas nem formais que permitam ver desde o início
como se poderão obter resultados, ainda que parciais e negativos, é
grande a tentação de conceber a filosofia como entretenimento
cultural ou cultura geral. A filosofia deixa então de ser entendida
como uma atividade que visa resolver problemas, e passa a ser
entendida como uma maneira de ver o mundo, sendo cada uma dessas
maneiras de ver o mundo como que outros tantos óculos que gostamos
de experimentar para ver as mesmas coisas com cores diferentes. Foi
exatamente contra essa concepção utilitarista da filosofia que
Sócrates e Platão reagiram. Eles não negam a utilidade lógica da
filosofia, mas consideram que a filosofia é muito mais que um método
de pensamento. Ela não é estudada com finalidade profissional, como
quando se quer aprender um ofício, mas como uma atividade
eminentemente humana, própria do ser que pensa e indaga-se a todo
tempo.
Concluímos, portanto, este capítulo, indicando
que para aqueles que se dedicam à ou venham a se dedicar a filosofia
que a mesma deve ser desvinculada de uma visão imediatista, neste
sentido vejamos o que diz Marilena Chauí (2000, p. 18) sobre a
indagação da utilidade, inutilidade e o quanto está a serviço das
mudanças, sejam elas econômicas, políticas, ou sociais.
[...] se a submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.
Chauí nos dá indicações importantes se queremos de fato
lecionar filosofia tendo em vista a superação enciclopédica e
muitas vezes enfadonha que por ventura possa ocorrer sem alguns
devidos cuidados em nossa prática, algumas delas já comentadas
aqui. Podemos ainda, nos perguntar: Diante de uma sociedade
midiática, com tantas transformações em várias áreas, em
especial da informática e do cinema, como aproveitar tais recursos
para que seja realmente um aliado dos professores de filosofia, que
possa alavancar discussões e ser como lentes novas para novos
olhares para o mundo. Como fazer uso apropriado de filmes, por
exemplo o filme Mar adentro¹ (Espanha, 2004), que
problematizam questões tão importantes como a bioética. No próximo
capítulo buscaremos enfatizar o cinema
e a internet como mídias importantes para o processo do filosofar e
como as mesmas podem ser utilizadas no processo de ensino e
aprendizagem.
Capítulo 5
Mídias: Cinema e internet a
serviço da filosofia.
A internet e o cinema podem
constituir um eficaz aliado da filosofia, se estudantes, professores
e gestores da educação se conscientizarem da sua importância,
visando aperfeiçoar a prática docente. Hoje, é possível ainda
verificar a grande resistência de muitos educadores a estas
ferramentas, pois acreditam que este modelo
informativo não é realmente apropriado à filosofia nem a qualquer
outra área do conhecimento, como a biologia ou a história, porém
muitos alunos usam a internet apenas para acessar redes sociais como
Orkut, MSN e para cópias de trabalhos, sem um eficiente
aproveitamento que a tecnologia oferece, então, conduzir e orientar
sua utilização permite que, por exemplo, a filosofia passe a
ampliar seus horizontes. A internet para a educação pode ser
considerada a mais completa e indispensável ferramenta que
possibilita o descortinar de vastos conhecimentos acumulados da
humanidade, nas palavras de Ferreira:
A internet- a maior rede de
computadores do mundo- é frequentemente descrita como a rede das
redes, pois abrange todas as espécies de redes possíveis,
tornando-se a verdadeira rede global, contando com mais de 13.170
redes regionais, nacionais e internacionais. (1994, p. 261)
O uso pedagógico da internet
disponibiliza aos estudantes e educadores grandes perspectivas na
construção e democratização do conhecimento, permitindo novas
formas de comunicação. No entanto, esbarramos com vastos olhares,
muitas vezes preconceituosos sobre a viabilidade de seu uso, em
especial, da disciplina de filosofia, pelo simples motivo do
tabu jogado pelo próprio filosofar
de que a disciplina de Filosofia cairia na rede de banalização da
informação. Para a superação de tais barreiras, talvez tenhamos
que analisar o contexto que estes jovens estão inseridos, é
impressionante a quantidade de informações que os jovens recebem e
como eles a utilizam na sua vida. É sempre o point do
momento, a música que está tocando, a banda que está na mídia ou
mesmo à tribo a qual eu me identifico (seja
ela surf, ska, emo, punk,
metal ou colorido). São tantas informações
para selecionar que se torna difícil decidir quais podem ser
consideradas úteis para a vida.
Nesse contexto, a sala de aula,
um local considerado fundamental para a formação social do jovem,
se tornou na verdade uma praça de glórias onde a
identidade se torna supérflua perante os feitos virtuais. A
quantidade de seguidores, amigos ou mesmo leitores se tornou a
referência de popularidade; onde antes se poderia ser popular na
escola, agora através de click o mundo inteiro pode
conhecê-lo e saber onde mora ou mesmo o que pensa. Portanto,
desconsiderar a gigantesca possibilidade da comunicação, divulgação
e a quantidade de conhecimentos e informações que são construídas
a todo o momento, são desperdiçar também novos espaço de reflexão
e problematização entre culturas e saberes. Estamos na sociedade da
informação livre, então porque não usá-la a nosso favor? Sites
de relacionamentos, blog ou sites de vídeos como o Youtube podem
ser ferramentas poderosas nas mãos de um bom professor que consiga
identificar com sabedoria o melhor uso e situação para utilização
desses recursos. Atividades dirigidas em sala de aula utilizando
esses recursos podem vencer a barreira dos muros do colégio como um
local de conhecimento para uma rede de acesso ilimitado.
O professor ao criar um blog com
o nome da disciplina ou mesmo o nome da turma podem criar atividades,
jogos ou mesmo propor desafios para os alunos que deverão
socializá-las no mesmo blog como fotos, vídeos e textos que
demonstrarão o interesse e a participação da disciplina além de
dar suporte para que o professor acompanhe todas as atividades dos
grupos (ou aluno). O que pode refletir em boas experiências, pois
devido ao livre acesso pessoas que não fazem parte da turma podem
acompanhar as atividades e divulgá-las o que podem garantir novos
adeptos ou mesmo novos grupos de trabalho. Vejamos como Borba (2001,
p. 46) vai um pouco mais além, quando coloca
“seres-humanos-com-mídias”
dizendo que: “[...] os seres humanos são constituídos por
técnicas que estendem e modificam o seu raciocínio e, ao mesmo
tempo, esses mesmos seres humanos estão constantemente transformando
essas técnicas”.
O uso da Informática nas
aulas de filosofia como se pode notar, deve fazer parte do projeto
político pedagógico da escola, projeto esse que define todas as
pretensões da escola em sua proposta educacional, que claro deve
sempre pautar-se por uma pedagogia libertadora e transformadora de
espaço e tempos.
Acreditamos que os filmes são
boas ferramentas para auxiliar na aprendizagem, porque a educação
não é só a transmissão de conteúdos disciplinares. Estamos
lidando com pessoas, grupos de pessoas, instituições, normas, etc.
Quem não compreende esse teor na sua prática educativa precisa
parar um pouco e pensar sobre isso.
A riqueza de um filme não está apenas
no seu conteúdo explícito, quer dizer, na história que ele
conta e que se presta à discussão deste ou daquele
assunto. A riqueza de um filme está na sua riqueza cinematográfica.
Promover a reflexão sobre o que
devemos fazer para prender a atenção dos alunos, isto é, qual a
nossa parcela de contribuição, o que podemos fazer para que as
aulas fiquem mais atrativas, passa por um olhar que deve estar aberto
a mudanças e a humildade de reconhecer contextos e culturas
diferentes. Quero apenas refletir, aqui, sobre o que podemos fazer
para que os alunos se interessem mais pelos conteúdos ministrados de
filosofia, obviamente, não quero dizer que seja da nossa
responsabilidade exclusiva, tornar as aulas atrativas, pois isso
depende também da vontade dos alunos de se dedicarem aos estudos, o
tipo de conteúdo a ser ministrado (reconheço que existem assuntos,
independentemente da área de conhecimento, que são mais atrativos,
portanto, mais fácil de prender atenção, do que outros conteúdos)
e condições estruturais e materiais de onde se leciona.
Possivelmente, teremos sucesso se muitos educadores abandonarem suas
posturas cristalizadas do transmitir, decorar e reproduzir na prova.
A tarefa não é fácil, existem atualmente elementos que contribuem
para que cada vez mais alunos com o perfil "desinteressado"
estejam presentes: a cultura da obrigatoriedade de um diploma, a
indústria do entretenimento que consegue ser mais atrativa e eficaz
em relação à atração da atenção das massas, portanto, o
sujeito vai para faculdade com a intenção de se divertir (e nem
sempre é possível conciliar diversão e educação), a geração
videotape/internet que é mais visual e menos ouvinte, entre outros
pontos que estão afetando/prejudicando/modelando nossa prática
docente.
O uso das mídias deve ser
utilizado de maneira inteligente, o problema é quando as tecnologias
no ensino se tornam um fim em si mesmo, em lugar de um meio para
atingir um fim. Como por exemplo, a ideia de "eu uso Power
Point, logo então sou um ótimo professor; eu não uso Power Point,
logo então sou um professor ruim", e isso acaba levando ao
determinismo tecnológico, quer dizer, que só as novas tecnologias
determinam o aprendizado dos alunos, eis um problema para a filosofia
da educação!
O Cinema estabelece uma
nítida ligação com o afetivo, com o fictício e o surreal, abre as
portas para uma infinidade de alternativas e utopias, imagens e sons
que falam diretamente a alma, seduzem e sensibiliza principalmente
aquele que está em processo de formação. Daí o encantamento, e a
perplexidade daquele que observa e interpreta, O sentimento de
perplexidade dá origem à reflexão filosófica, como Heidegger
(1979, p. 21) “O espanto é, enquanto páthos, a arkhé da
filosofia”, suspeitamos, então, que na trama cinematográfica
podemos experienciá-lo sem o ônus da facticidade. O cinema cria um
‘mundo possível’, uma realidade ficcional que traz consigo a
possibilidade do espectador vivenciar das mais diferenciadas
situações. Ele pode apresentar questões até então não
experienciadas e/ou problematizadas pelo sujeito. Sendo assim,
acreditamos que o cinema pode suscitar no expectador a reflexão
filosófica na medida em que a realidade ficcional é tomada como
motivadora da atividade reflexiva agregando, assim, ao
entretenimento, valor estético e cognitivo.
Concluímos o presente
trabalho, compreendendo que esta é uma discussão apenas inicial, e
apresentamos novos rumos, mas também novos problemas para o ensino
da filosofia no ensino médio,os professores têm obrigação de
refletir sobre sua ação de modo a trazer à tona seus pressupostos
e objetivos, a fim de poder optar conscientemente pelos meios mais
adequados em cada espaço e tempo, para que jovens, homens e
mulheres, vislumbrem a filosofia como uma porta para novas
possibilidades e novos encontros produtivos do pensar, do ensinar e
aprender. Nesse caminho, Luckesi nos fornece uma importante
contribuição propondo ao educador uma autocrítica constante e
refinada sobre o objetivo do trabalho do educador, revisitando sua
prática pedagógica e sempre com um olhar sensível a
heterogeneidade dos jovens estudantes, faz-se necessário que
estejamos atentos sobre os conteúdos que ministramos e claro para
obtermos bons resultados, quais os procedimentos que utilizamos.
(LUCKESI, 1990, p. 43).
Em tempo, a pesquisa que até
aqui desenvolvemos, pode nos fornecer um itinerário que possa
contribuir na prática pedagógica do professor. Vejamos alguns
passos: ouvir os alunos e ser ouvido por eles; dialogar a partir do
que se ouve na sala de aula e se lê nos textos filosóficos; ler com
os alunos e promover ou provocar a leitura investigativa; refletir e
fazer com que os alunos coloquem suas vidas em meio à discussão
filosófica; finalmente, escrever, como forma de expressão dessa
reflexão.
Agradecimentos: Gostaria de prestar meus agradecimentos a Deus
por nos conceder à vida e todas as oportunidades de evolução que
ela nos proporciona e a todos os professores que contribuíram direta
ou indiretamente com o programa de pós-graduação da UNESP. Ao
nosso professor orientador Marcio Tadeu Girotti, por sua dedicação,
atenção e sempre disposto a ajudar e colaborar. Eu, Fábio,
agradeço a minha esposa Viviane por toda paciência, compreensão e
dedicação nestes últimos meses, onde presenciou minha concentração
e dedicação, muitas vezes estendendo-se por toda noite, lendo e
escrevendo, sempre ao meu lado, motivando a minha vida por novas
conquistas.
Aos meus pais pela minha formação pessoal, em especial a minha mãe
que esta no céu, mas tenho certeza que seu espirito esta sempre me
guiando, por fim a toda equipe UNESP / Redefor que contribuíram para
que o curso tivesse êxito, possibilitando particularmente a mim, a
melhora na minha formação.
Abstract:
This research project has as its central objective reflection and
research on an approach that takes into account a methodology that
does not incur a fall encyclopedic learning, where content is
presented thematically in an attempt to make them closer to reality
experienced by young people, seeing the search to characterize the
great problems of philosophy in that it allows access to both the
philosophical issues more important in the history of philosophy,
enabling philosophizing. The challenge that we announce from
this work is the activity questions from the great problems of
philosophy in general, such as the beautiful is better than ugly? The
man is really free? The "ask after" has that meaning,
understanding that this is not to deny the existing knowledge, often
in the form of common sense, where the student takes their
existential concerns, cultural etc.; As elements (problems) that has
value and require reflection and choices. Therefore
a methodology that takes into account major issues of philosophy
often from very thin and intense part of the student to walk, he sees
it as a protagonist who occupies a role in the world of contemporary
philosophy, he experienced and felt the need to solve it.
Keywords:
Methodology, questioning, paradigm,
dialogical, media, surprise, awareness.
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