sexta-feira, 29 de junho de 2012

Felicidade: em busca da tranquilidade da alma.



A filosofia foi em toda história o meio de se viver melhor, de sofrer menos, de enfrentar as adversidades da vida com maior serenidade. Ao contrário do que muitos pensam, a filosofia não é apenas uma disciplina teórica para se pensar bem,  mas é, antes de tudo, um ensinamento prático de como se viver melhor. Os grandes pensadores podem nos ensinar a viver bem, pois eles pensaram profundamente o problema da felicidade, assim como os motivos ocultos das ações humanas e a relação do homem consigo mesmo. Os Gregos já diziam que é necessário pensar bem para se viver melhor. Eles entendiam que existia uma íntima relação entre filosofia e medicina. O grego Epicuro (341-270 a.C) considerava o discurso filosófico um Pharmacon, um remédio capaz de curar as dores da alma. Para ele,  a filosofia era antes de tudo uma atividade prática que ultrapassava a dimensão passiva e contemplativa do saber. Era uma atividade que, pelos discursos e raciocínios, nos leva à vida feliz.   Tal como Epicuro, Platão também considerava que a  saúde da alma se daria por meio do discurso  filosófico, entendido como um Pharmacon  – remédio, droga, veneno, cosmético. Quando o discurso filosófico fosse administrada a fim de levar ao conhecimento e ao equilíbrio seria um  remédio; quando mal administrado, seria um  veneno.  Segundo a professora da USP, Olgária Matos,  “o pharmakon filosófico é o discurso terapêutico que busca a autarquia da alma e do corpo, o domínio da dor do corpo e da alma pela filosofia”.
       A filosofia entendida como pharmacon pode nos ensinar a enfrentar os problemas da vida,  como superar o fim de uma relação amorosa, como agir diante de um problema emocional ou como superar a dor de uma perda. Nossa vida é regida por ações e atos que se somam. Cada dia é feito de mil e uma ações, cada gesto sustenta alvos mais longínquos e mais essenciais a nossa felicidade. Cabe a filosofia, portanto,  nos ajudar a fazer uso dos meios que convém para atingir nossos objetivos.
Epicuro nasceu em 341 a.C na Ilha de Samos. Sua escola ficava em um jardim – Kespos – cheio de árvores frutíferas, onde seus discípulos mantinham longas conversas sobre os mais diversos assuntos. Foi ali que ele descobriu os quatro remédios da alma.  Seus quatro “Pharmakom” eram: não há o que temer dos deuses; não há nada a temer quanto à morte; pode-se suportar à dor; pode-se alcançar à felicidade. São duas palavras que definem felicidade para Epicuro: Ataraxia  e Hedoné  A felicidade consiste na ausência de preocupações (ataraxia) e no prazer (hedoné).  Não é a posse de riquezas ou a obtenção de cargos ou poder que pode nos tornar feliz, o que nos torna é a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito para se manter nos limites impostos pela natureza.  Quando sentimos uma grande dor, tomamos um remédio, a imediata desaparição da dor produz insuperável alegria. Para Epicuro a alegria é a essência do bem.   Se na maior parte de nossas vidas não tivermos dores ou doenças e nem desgostos pode-se dizer que fomos felizes.  Uma vida sem preocupações e sem perturbação é o desejo de todo homem, seja ele  rico ou pobre.
             Para Epicuro a plena  felicidade só se pode alcançar pelo prazer. O prazer é o princípio e fim da vida feliz. Não há nada que não se resolva com um pouco de prazer. Com um pouco de prazer esquecemos até mesmo a dor. É por isso que para curar as dores do corpo nada melhor que os prazeres da alma, assim como, para curar as dores da alma nada melhor que os prazeres do corpo.  
       Apesar do prazer ser o princípio e fim da vida feliz,  Epicuro  afirma nem todos os prazeres conduzem a felicidade. Há prazeres que causam dor, mas também há dores que geram um prazer maior.  Por exemplo, fumar um cigarro é prazeroso para quem fuma, mas pode causar grandes dores como problemas respiratórios ou um câncer. Ter que estudar ou trabalhar num final de semana é um desprazer, mas passar no vestibular ou ganhar um bom dinheiro dá um grande prazer. Os prazeres são relativos, por isso devemos saber diferenciar o bom prazer do mau prazer.  Sempre que escolhemos um prazer, devemos nos perguntar, que me sucederá se se cumpre o que quer o meu desejo? Que acontecerá se não se cumpre? Para saber escolher bem os prazeres é necessário ter a virtude da prudência. É graças à prudência que o “sóbrio raciocínio” aprende a selecionar os prazeres que não trazem dores ou aqueles que trazem dor, mas que, posteriormente, proporcionam um prazer maior.  Epicuro nos ensina que o conhecimento seguro dos desejos nos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz.
         Os estóicos, escola oposta ao epicurismo,  também foram grandes pensadores da felicidade humana. Segundo eles, o mundo é um todo ordenado e harmonioso, há uma razão ordenadora (Logos) em todo o universo.  Dessa forma, a felicidade consiste em aceitar a lei universal do cosmo, o logos universal.  O homem é feliz quando aceita o que o destino lhe impõe sem reclamar e sem se perturbar. A ética estóica afirma que o homem feliz é o homem virtuoso, pois sabe moderar seus desejos, controlar suas paixões e orientar sua vontade. Ele deve ser capaz de educar seu caráter dominando racionalmente seus apetites, orientando sua ação para o bem e para a felicidade.   Não são os bens materiais, o dinheiro ou a diversão que trazem a felicidade, mas ter moderação, serenidade, equilíbrio e calma na vida.  O maior exemplo de homem virtuoso é do próprio fundador do estoicismo Zenão de Cítio. Ao perder todo o seu patrimônio em um naufrágio ele disse ao saber do ocorrido, “O destino queria que eu filosofasse mais desembaraçadamente”.
           O nome da escola de Zenão deriva da palavra grega stoa, pórtico.  Ele ensinava filosofia em um pórtico construído pelos atenienses para celebrar a vitória na guerra contra os Persas. Três palavras descrevem o estoicismo: materialismo, monismo e mutação. No universo tudo é material, mesmo o tempo e o pensamento (materialismo). Tudo que existe possui um princípio unificador (monismo). Tudo está em permanente mudança podendo se transformar em algo diferente do que se é (mutação) Através desses três princípios Zenão construiu sua doutrina.   Seu principal ensinamento era afirmar que o ser humano só pode alcançar a plena felicidade se abandonar todos os bens materiais e paixões terrenas, pois eles são os culpados de todo aborrecimento e desassossegos aqui na terra. O homem deve viver em ataraxia, ou seja, sem perturbação da alma que resulta de uma sabedoria atingida pela moderação.
            Outro grande filósofo estóico foi Sêneca (4-65 d.C).  Foi conselheiro do Imperador Nero e tentou orientá-lo para uma política humanista e moral. Contudo, em 65 d.C foi acusado de ter participado de uma conspiração para matá-lo. Sem qualquer julgamento foi obrigado a cometer suicídio.  Aceitou com serenidade a morte com o mesmo ânimo calmo com que filosofava. Dizem que sua morte foi lenta e cruel. Abriu as veias do braço, mas o sangue correu muito lentamente. Com isso, cortou as veias das pernas. Nada adiantou. Tomou então uma dose de veneno.  Enquanto esperava o veneno fazer efeito ditou um texto a um de seus discípulos.   Como o veneno não surtiu efeito, tomou banho para aumentar o sangramento. Assim morreu lentamente.
            Para Sêneca, o destino é inexorável. O homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se o aceitar de livre vontade pode ser feliz. Contudo muitos homens desperdiçam seu tempo com bebidas, mulheres, diversões fugazes e quando se dão conta a vida já passou.  A vida, se bem empregada, é suficientemente longa. Por isso, Sêneca pregava a superação das paixões e dos desejos. Ele lamentava que muitos homens desperdiçassem seu tempo com coisas inúteis. “A insaciável ganância domina um, outro, desperdiça sua energia em trabalhos supérfluos, um encharca-se de vinho, outro fica entorpecido pela inércia, um está sempre preocupado com a opinião alheia, outro, por um irreprimido desejo de comerciar, é levado a explorar terras e mares na esperança de obter lucro. (…) há aqueles que, voluntariamente, se sujeitam à ingrata adulação dos superiores. Também há os que se ocupam invejando o destino alheio e desprezando o seu próprio”. (Sêneca, 2007, p.27). Todos esses comportamentos, segundo Sêneca, geram apenas desgostos e sofrimento.  É comum no dia-a-dia depararmo-nos com pessoas que todo mês gastam seu dinheiro no shopping, ou gastam com jogos, bebidas ou mulheres numa eterna compulsão. São pessoas infelizes que procuram aliviar suas tensões e sofrimentos em algum vício. Os vícios sufocam os homens deixando-os embriagados e obscurecem a verdade. Eles tornam-se incapazes de voltar-se para si mesmo.  Seus espíritos estão de tal modo presos as paixões que são incapazes de achar a tranqüilidade e tudo que conquistam torna-se pesado. As paixões pelo dinheiro, pela fama e por mulheres apenas demonstram o espetáculo patético do sofrimento humano “As riquezas são pesadas para muitos! A preocupação com a eloqüência e a necessidade de mostrar talento tirou o sangue de muitos! Outros enfraqueceram devido a uma vida de libertinagem!” (Sêneca, 2007, p.28).  Dessa forma, Sêneca nos incita a superar os afetos como a cobiça, a ira, à vontade, os desejos e conquistar a paz e a tranqüilidade.  
            Em seu livro “Da tranqüilidade da alma” Sêneca também ensina-nos como devemos agir na infelicidade.    Para ele todos nós estamos ligados a sorte. Para uns a escravidão é suave e leve, já para outros é pesada e sofrível.  Mas nada disso importa. O que importa é que todos nós somos eternos prisioneiros. Aqueles que exploram o próximo, também serão explorados. Aqueles que causam dor, também sentirão dor. Uns estão presos ao dinheiro, outros a pobreza, uns aos bajuladores, outros a fama e outros ao poder. Toda vida é uma escravidão. Ninguém está salvo e não adianta reclamar. É preciso não deixar as oportunidades que a vida oferece escapar.  Mesmo que o sofrimento seja descomunal, sempre a vida oferece algum consolo. Sêneca nos ensina que devemos superar as dificuldades apelando à razão. Através da razão podemos abrandar o que era pesado, alargar o que era apertado, e os fardos tornar-se-ão mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los.
Marco Aurélio (121-180 d.C.), imperador de Roma, também foi considerado um dos maiores filósofos estóicos da antiguidade.  Apesar de ser o homem mais poderoso do mundo em sua época, ele era simples, humilde e absolutamente sincero consigo mesmo.  Era bondoso e amável. O problema central de sua  filosofia não  era descobrir a verdade sobre os fatos ou sobre os princípios últimos e primeiros da existência, mas descobrir o melhor caminho para se conduzir a vida e viver bem. Em seu diário pessoal, denominado “Para si mesmo” e que foi parafraseada pela tradição com o nome “Meditações”, Marco Aurélio escrevia suas secretas conversas íntimas consigo mesmo. Cortesia, serenidade, piedade, generosidade, simplicidade na vida, bondade, humanidade são princípios estóicos citado em suas “Meditações” que mais tarde tornaram-se a base da ética cristã.  Ser comedido nos desejos, saber cuidar das próprias necessidades, cuidar da própria vida e não dar ouvidos à fofocas  eram partes de seus ensinamentos.  Ser feliz para ele é viver conforme a natureza e viver conforme a natureza é viver conforme a razão e a virtude. A razão e a virtude são os caminhos para a felicidade, pois são  os  “mais elevados bens”.  A vida natural é a vida controlada pela razão.  Pela razão devemos aprender que algumas coisas estão sobre o nosso poder e outras não, ou seja, devemos nos ocupar apenas daquilo que efetivamente está sobre o nosso controle. Se estivermos na praia e estiver chovendo, não adianta reclamar. Revoltar-se contra os fatos não altera os fatos. Se estiver  chuvoso assista um filme, faça um churrasco ou tome uma cerveja com os amigos. Aceitar a vida tal como ela é, com seus percalços e dificuldades, é fundamental para sermos felizes. Não podemos pedir que a vida seja como nós queremos, mas devemos aceitá-la como é.  Dessa forma, Marco Aurélio via na Prudência, piedade, temperança, generosidade e na força moral os produtos e ingredientes da felicidade.
Bibliografia
Matos, Olgária. Filosofia: A polifonia da Razão. In: Filosofia e Educação. Ed. Scipione, 2003
Marco Aurélio.  Meditações. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.
Sêneca. Da tranquilidade da alma. São paulo:  L&PM Pocket. 2009.
Sêneca. Sobre a brevidade da vida. São Paulo: L&PM Pocket. 2007.

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