sábado, 12 de maio de 2012


Literatura e Filosofia no Sapopemba - Narrativa de Franz Kafka

Introdução 
Esta é a última de uma série de 16 sequências didáticas que formam um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o conteúdo completo.
Objetivos 
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
conhecer as características do gênero Novela;
conhecer as características do narrador kafkiano;
conhecer características básicas da narrativa kafkiana. 

Material necessário - Livro A Metamorfose. Franz Kafka, Tradução de Modesto Carone. 104 págs., Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 25 reais.

Desenvolvimento 
1ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte I 

O início da novela A metamorfose, de Franz Kafka, é tão impactante que vale a pena começar o trabalho com o texto sem maiores introduções. Leia com os alunos as primeiras palavras do livro:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
- O que aconteceu comigo? - pensou.
Não era um sonho. (...)
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O que aconteceu com Gregor?
- Como assim um "inseto monstruoso"?
- Ele estava sonhando?
- Será que o narrador vai explicar o que aconteceu para Gregor virar um inseto? Você espera que ele explique?

Continue então a leitura, procurando verificar se o narrador vai explicar o que aconteceu com Gregor:
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário de tecidos - Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boá de pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O narrador explica as causas da metamorfose?
- Nós podemos saber o que aconteceu?
- O que sabemos até agora?
- O que faz o narrador depois que comunica que Gregor virou um inseto monstruoso?
- Faz sentido a descrição tão detalhada do quarto de Gregor em um momento tão tenso?

Prossiga a leitura pedindo que os alunos observem agora de que forma o personagem principal reage à grotesca transformação:
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo - ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito - deixou-o inteiramente melancólico. (...)
- Ah, meu Deus - pensou. - Que profissão cansativa eu escolhi. Entra dia, sai dia - viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria sede da firma e além disso me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação com a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo isso!
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor se preocupa por ter virado um inseto grotesco?
- Você esperava que ele se preocupasse?
- Com o que ele se preocupa?


Inicie a aula discutindo a primeira parte do livro com a turma. Para tanto, lance as seguintes questões:
- Vocês conseguiram saber por que Gregor virou um inseto?
- O narrador sabe?
- Gregor sabe?
- O narrador sabe mais que Gregor?
- Em algum momento eles se preocupam com isso?
Gregor não se choca com sua horrenda metamorfose e continua raciocinando como se o problema todo se resumisse a levantar-se e ir trabalhar. O narrador, apesar de ser em terceira pessoa, tem dos acontecimentos um olhar tão parcial quanto o do herói e parece mais preocupado em descrever com minúcias realistas tanto o espaço quanto os fatos narrados. Ainda segundo Modesto Carone, "esse narrador se comporta como uma câmera cinematográfica na cabeça do protagonista - e nesse caso o relato objetivo, através do discurso direto e indireto, se entrelaça com a proximidade daquilo que é experimentado subjetivamente pelo herói. É por esse motivo que, na descrição dos acontecimentos que evoluem no seio da família Samsa, a narração não avança muito mais do que Gregor poderia fazer a partir de um ponto-de-vista rigorosamente pessoal." (p. 238)

Os pensamentos de Gregor giram em torno apenas de suas responsabilidades: ele maldiz o trabalho, irrita-se com o chefe e com o gerente e entra em pânico diante da possibilidade de perder o emprego - mas em nenhum momento se indaga sobre sua grotesca condição. Gregor não sabe - e nem procura saber - o que aconteceu com ele. Então nós, leitores, recorremos ao narrador - para descobrir que ele também não sabe.

O narrador preocupa-se em apresentar o mundo de Gregor tal como ele é. Nesse sentido dá tanto peso à metamorfose quanto à descrição detalhada do quarto. É uma realidade fragmentária e opaca, mas descrita com minúcia quase científica.

Kafka monta então sua equação de ignorâncias sobre o fato absurdo: Gregor não sabe, o narrador não sabe - e nós tampouco. E é assim, às cegas, que devemos suportar a leitura.
Leitura das primeiras páginas da segunda parte do livro:
Só no crepúsculo Gregor despertou do sono pesado, semelhante a um desmaio. Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito mais tarde, pois sentia que havia descansado e dormido o suficiente (...) Tateando desajeitadamente com as antenas que só agora aprendia a valorizar, se deslocou até a porta para ver o que havia acontecido lá. Seu lado esquerdo parecia uma única e longa cicatriz, desagradavelmente esticada, e ele precisava literalmente mancar sobre duas fileiras de pernas. Uma perninha, aliás, tinha sido gravemente ferida no curso dos acontecimentos da manhã - era quase um milagre o fato de que só uma fora lesada - e se arrastava sem vida atrás das outras.
(...)

Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava aceso, mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em voz alta, o jornal que saía à tarde, para a mãe e às vezes também para a irmã, agora não se ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã sempre falava e escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas também em volta reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse vazia.

- Que vida tranquila a família levava! - disse Gregor a si mesmo e sentiu, enquanto fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido proporcionar aos seus pais e à sua irmã uma vida assim, num apartamento tão bonito.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor pensa como um inseto monstruoso ou como o antigo Gregor?
- Qual era a sua profissão?
- O resto da família trabalhava? Por quê?
- Como eles reagiram ao novo Gregor?
- O herói entende o impacto que causa em seus familiares?

Peça que os alunos leiam em casa a segunda e a terceira parte do livro. Estabeleça um prazo. Enquanto eles estão lendo, separe uma aula para explicar o que é uma novela.

3ª etapa: o que é uma novela? A novela como gênero literário 
Pergunte, oralmente, à turma:
- Você sabe o que é uma novela?
Afinal, que tipo de relato constitui-se como novela? Em que ela se diferencia do romance e do conto? Infelizmente não temos uma resposta segura para esta questão. A fluidez do termo se presta a várias interpretações. Sabe-se que é uma espécie intermediária entre a longa extensão do romance e a brevidade nervosa do conto, mas não há coordenadas rígidas para delimitar as diferenças.

Por funcionar como uma nebulosa espécie intermediária entre dois gêneros consagrados e fáceis de definir, o termo novela nem sempre é empregado por professores e críticos. Há certas narrativas, porém, que, pelo seu próprio volume de páginas, não se enquadram nem como conto nem como romance. Digamos, de maneira mais ou menos arbitrária, que a novela (em edições de formato e tamanho convencional) gira em torno de trinta a cem páginas.

De resto, a novela ultrapassa o conto pela construção melhor elaborada de um personagem central e pela relativa ampliação do tempo e do espaço. Mas, em relação à infinidade de situações registradas por qualquer romance, a novela apresenta um número pouco significativo de acontecimentos.

Sua ênfase, portanto, recai sobre o personagem, como no gênero romanesco. Só que neste, o protagonista é construído por uma multiplicidade de eventos, enquanto na novela o personagem se afirma existencialmente em apenas uma ou em algumas poucas situações.

Entre os exemplos clássicos de novela figuram - além de O alienista - A morte de Ivan Ilicht, de Tolstói; Os sete enforcados, de Andreiev; A metamorfose, de Kafka; Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Marquez; e A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado.

http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htm
4ª e 5ª etapas: análise e interpretação - A metamorfose 

Depois de a leitura do livro ser concluída pelos alunos, busque, em aula expositiva dialogada, chegar com eles a uma interpretação da obra de Franz Kafka.

Para tanto, lance as seguintes questões:
- O que acontece em cada parte do livro?
- A família, antes, dependia de Gregor?
- E depois, quem dependia de quem?
- Nós descobrimos por que Gregor virou um monstro grotesco?
- É possível construir uma interpretação para a sua metamorfose?
- Você esperava que ele morresse?
- Havia outra saída para ele?
A novela A Metamorfose apresenta-se dividida em três partes. Na parte I, sofremos o impacto da metamorfose de Gregor Samsa num inseto monstruoso; na II, acompanhamos a existência de Gregor como inseto; na terceira parte sofremos a angústia de sua impossibilidade de conviver com a família e consequente morte.

O impacto da primeira parte se dá em função da técnica da inversão e de percebermos que "o narrador kafkiano, embora fale pelo personagem, só mostra estar sabendo aquilo que ele realmente sabe, ou seja: nada ou quase nada." (Modesto Carone, op. cit. pg. 239)

Na parte II ficamos sabendo que Gregor era arrimo de família e trabalhava como caixeiro-viajante há cinco anos, em função da falência do negócio do pai. Cabia a Gregor sustentar toda a família e pagar as dívidas paternas. Nesse sentido, podemos entender a metamorfose do herói "como resultado de um processo, ou seja: como um momento definido que teria sido precedido por outros que ficaram aquém da narrativa e por isso não foram tematizados por ela." (Modesto Carone, op. cit. pg. 241) Gregor era submetido a um trabalho desumano a fim de sustentar toda uma família parasitária em boas condições de vida.

Por último, temos o filho transformado em parasita. A família, a princípio, sustenta sua existência subterrânea - mas logo se sente lesada e desfaz-se do peso morto. "...o que então se percebe é mais uma vez a vigência do princípio de inversão em que Kafka é um mestre insuperável; pois se antes a família vivia parasitariamente às custas do trabalho de Gregor e da sua alienação no mundo dos negócios (que contrasta, na novela, com a utopia do ‘mundo da música’) ele agora é, aos olhos da família ‘deserdada’ pela sua metamorfose, apenas um inseto parasita." (Modesto Carone, op. cit. pg. 242).

Cada vez mais abandonado pelos seus, que agora o vêem mais como um inseto do que como Gregor, o herói perde as forças e morre - fato comemorado pela família com um passeio no campo. Depois disso, é varrido da memória pela faxineira da casa.
Avaliação 

No youtube, é possível conhecer uma versão em quadrinhos, em português de Portugal, de António Pacheco, para a obra de Franz Kafka.

Veja o filme com a classe e, em seguida, peça que respondam, em grupos de três, por escrito:
a) Há narrador na versão de A Metamorfose para os quadrinhos?
b) O ponto de vista apresentado é o mesmo do narrador do livro?
c) E o leitor, sabe da história tão pouco quanto na obra de Kafka?
d) Você acha que as ilustrações de Peter Kuper tornaram a narrativa mais ou menos terrível? Explique.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Conceito de “Esclarecimento” Segundo Kant

O Conceito de “Esclarecimento” Segundo Kant  Immanuel Kant escreve um artigo tentando responder a pergunta “O que é  esclarecimento ?”...