quarta-feira, 2 de maio de 2012


Marx e Foucault



Socióloga aborda a classe baixa pela ótica de Marx e Foucault



Por Tatiana Martins Alméri



Cotas para negros 
Considerada uma medida polêmica, o chamado Sistema de cotas raciais tem gerado debates no meio acadêmico, político e, principalmente, entre os ativistas sociais. Criado para dar a oportunidade dos grupos denominados pela raça negra, até então, considerados em sua boa parte excluídos da possibilidade de ingressar na universidade pública, as cotas focam apenas o resultado da falta de um projeto sólido e igualitário de ensino público e não a reestruturação para a devida resolução do problema.

Atualmente, no Brasil, discutese muito sobre o problema de racismo com relação a negros. Esse debate ampliou-se com a inserção social das cotas para negros.Vários argumentos afloraram com relação a esse tema, argumentos a favor e contrários, mas em ambos os lados bastante criteriosos e sensatos.
Porém, todo debate é bem-vindo, e neste caso a incerteza, o sim e o não, dão lugar a uma aprofundada reflexão importantíssima sobre o racismo no Brasil, e só nesta questão, a sociedade já ganhou e muito, sem contar os outros tipos de reflexões que esse debate possibilitou que se fundamentassem, por exemplo, os problemas do ensino fundamental e médio, diferenças nas classes sociais, consequências históricas, etc.
Muitas pessoas afirmam que as cotas deveriam ser para pessoas de classe baixa e não para negros; e é nesse ponto que iremos discutir: a classe baixa e o biopoder do Estado, na sutil e delicada tentativa de compartilhar os posicionamentos de Michel Foucault e Karl Marx.

FUNDAMENTOS
A discussão sobre o racismo estará voltada não para algo permeado a uma raça em si, já que esse termo tem sido bastante exonerado atualmente, mas sim o racismo ou, se couber neste momento um neologismo, o "baixismo", com relação à pobreza que o Sistema Capitalista acaba gerando. Digo "baixismo" por me referir ao preconceito à classe baixa que também se mistura com o racismo.
Do ponto de vista de Foucault, racismo "É, primeiro, o meio de introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve morrer. No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras, ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu, uns grupos em relação aos outros. Em resumo, de estabelecer uma censura que será do tipo biológico no interior de um domínio considerado como sendo precisamente um domínio biológico.
Isso vai permitir tratar uma população como uma mistura de raças ou, mais exatamente, tratar a espécie, subdividir a espécie de que ele se incumbiu em subgrupos ou serão, precisamente, raças. Essa é a primeira função do racismo: fragmentar, fazer censuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o poder." (FOUCAULT, 2000, p. 305)
Teoria de Darwin 
A teoria de Darwin baseada na ideia de que a evolução ocorreu por meio de seleção natural alterou completamente diversas áreas de estudo. Um verdadeiro choque cultural foi gerado por meio da publicação do trabalho de Darwin, já que todo o argumento em torno da evolução por seleção natural era forte o bastante para atingir as bases do conceito da criação divina predominantes nos séculos anteriores.

O biológico aqui acaba sendo uma fundamentação científica, assim, o uso da teoria de Darwin é uma maneira não simplesmente de "transcrever em termos biológicos o discurso político, não simplesmente uma maneira de ocultar um discurso político sob uma vestimenta científica, mas realmente uma maneira de pensar as relações da colonização, a necessidade das guerras, a criminalidade, os fenômenos da loucura e da doença mental, a história das sociedades com suas diferentes classes, etc." (FOUCAULT, 2000, p. 207).
E é nesse ponto, de diferentes classes, quando o científico sobrepõe-se ao político/social, que a presente reflexão irá se fundamentar. O racismo atualmente não se baseia somente no biológico, cor de pele, etc., mas se configura também no âmago social. O "baixismo" é aplicado sobre aqueles que, na maioria das mentes "brilhantes" da população brasileira, não conseguiram chegar ao topo hierárquico simplesmente porque não tentaram, porque são incompetentes, afinal, todos possuem chances de crescer na vida. Ledo engano! Esse modo de pensar deveria ser altamente refletido, reconfigurado, na tentativa de trazer uma interpretação um pouco mais concisa e coerente.

ALICERCES
Conforme o ponto teórico de Marx, o Sistema Capitalista necessariamente gera pobreza, afinal é necessária a existência da classe dominada - proletários - e da classe dominadora - capitalistas, para que se configure a existência do "duelo" social. Esses últimos são o topo da hierarquia, e a base os "carrega" tanto para servi-los quanto para fazer com que o sistema exista. Sendo, portanto, massacrados não só pelos capitalistas, mas pelo Sistema e por eles próprios, (por incrível que pareça, as pessoas da mesma classe social também possuem problemáticas entre os pertencentes ao seu grupo), o que para Foucault é a plena configuração do biopoder.
Foucault afirma que o biopoder é o poder político de matar, reclamar a morte, pedir a morte, mandar matar, dar a ordem de matar, expor à morte não só dos inimigos, mas de seus cidadãos. E é neste momento que podemos comparar essas teorias de uma maneira conjunta: os cidadãos proletários (trabalhadores) não necessariamente morrem no Sistema Capitalista, eles se entregam e morrem em função do Sistema, entregam vidas e se trocam pelo próprio sistema, se concretizam em uma real mercadoria. É nesse contexto que é inserido o "baixismo" no mecanismo do Estado, como algo estruturante na tentativa de fazer emergir e perdurar o biopoder. Dessa maneira, o tema "raça" não necessariamente vai desaparecer, atualmente ele é questionado, criticado, porém continua vivo pela da existência do racismo de Estado ou agregando o Estado e social: o "baixismo" do Sistema Capitalista.

A discussão se remete aos mecanismos, técnicas e tecnologias de poder do Sistema Capitalista, e não ao nível de teoria política sob a formação de um novo corpo, mas sim da existência de um "... corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças, se não infinito pelo menos necessariamente numerável. É a noção de "população". A biopolítica lida com a população, e a população como problema político, como problema biológico e como problema de poder..." (FOUCAULT, 2000, p. 292 e 293).
O "baixismo" são problemas coletivos que só tornam pertinentes no nível de massa; são retomados individualmente, mas se apresentam em um plano coletivo.
Para se trazer um pensamento menos preconceituoso com relação à classe baixa, será necessário mostrar para o mundo que o próprio Sistema gera essa classe, e que todos temos a propensão de sermos um representante individual dessa classe, se é que já não somos, e certamente sofreremos o "baixismo", a não ser que consigamos modificar não somente a estrutura social, mas a estrutura do Estado em si. Aqui, não em uma reflexão marxista de necessidade de revolução, mas de modificar, de transformar, de baixar a morbidade, não a concreta, mas a psicológica, a moral, a subcutânea.
"Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível de detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade, em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação" (FOUCAULT, 2000, p. 293; 294), a qual deve se fundamentar ao sistema instituído, ou seja, ou segue-se as regras ou será oprimido socialmente.




Mercadoria 
A mercadoria, na teoria marxista, com relação aos trabalhadores, pode ser medida pelo trabalho médio socialmente despendido para a fabricação de um produto. Assim, o trabalho é reconhecido não simplesmente na compra da mercadoria, mas no valor dela. O trabalho despendido para a fabricação de um produto torna-se valor agregado, proporcionado pela "venda" da mão-deobra. É neste contexto que a força de trabalho, transforma-se em uma mercadoria, ou seja, o proletário - trabalhador - vende sua força de trabalho a qual é sua única fonte de sobrevivência, tornando-se, assim, uma mercadoria em si.
PANORAMA
Por fim, será necessário começar a se discutir o biopoder não mais restritamente ao racismo, mas sim ao "baixismo" fundamentado pelo sistema capitalista, para FOUCAULT (2000, p. 293), "nos mecanismos implantados pela biopolítica, vai se tratar, sobretudo, é claro, de previsões, de estimativas estatísticas, de medições globais (...). Vai ser preciso modificar, baixar a morbidade: vai ser preciso encompridar a vida: vai ser preciso estimular a natalidade." Dessa maneira, a lógica do Sistema Capitalista, governada, é lógico, pelos capitalistas - grandes empresários - necessita de trabalhadores mais inseridos na regulamentação, cada vez mais agindo como mercadorias ou objetos, assim, no momento que adentram no local de trabalho os problemas pessoais, a família, as comemorações, outras reflexões que não sejam sobre o serviço ficam para o lado de fora. O Sistema necessita de trabalhadores que possam produzir mais e melhor, que tenham uma saúde impecável e que perdurem dessa maneira por muito tempo.
Por mais incrível que pareça, o aumento da morbidade, da marginalidade, das dores humanas, os problemas sociais concorrem para o aumento dos PIBs nacionais. Os desempregados, os excluídos, os que recebem salários cada vez menores são extremante necessários à fundamentação do Sistema, e é entre outras coisas, por meio do "baixismo" que, psicologicamente, a classe trabalhadora se submete a tal opressão, (BAUDRILLARD, 1975).

REFERÊNCIA

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975- 1976), (trad. De Maria Ermantina Galvão). São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1975.
MARX, Karl. Karl Marx: Sociologia. Octávio Ianni (org.). Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática,1980.


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